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No sétimo dia, elegemos a morena do Tchan
FERNANDO GABEIRA
Colunista da Folha
Minha amiga bateu na mesa
com o punho direito cerrado:
- O Brasil tem de parar de rebolar.
Embora não me sentisse diretamente, responsável, perguntei:
- Por que parar de rebolar?
- Tem de parar de rebolar.
Há coisas boas aqui, arte, turismo e só se mostram bundas,
bundas, bundas.
- E daí?
- Perguntando e daí você jamais vai entender o turismo
sexual, milhares de crianças se
prostituindo.
- Isso tem a ver com a economia, gente com dinheiro, países pobres. A escolha da morena do Tchan, pela televisão, foi
o velho concurso de miss. Visto
de outro ângulo, é claro.
- Bem mais vulgar, você quer
dizer.
- Talvez um pouco mais vulgar. Ou mais sexy. As candidatas tinham ursinhos de pelúcia, como as misses, tinham
mãe, como as misses.
- Foi um espetáculo rasteiro,
de tarde de domingo. Nem se
tivessem com "O Pequeno
Príncipe" na mão, lembrariam
as misses.
- Vulgar e rasteiro são palavras delicadas, quando há sexo no meio. Elvis foi considerado vulgar, em alguns lugares
se proibiu o rock.
- Não há comparação. Elvis
era homem e o rock uma cultura, pô. Além do mais, essas
mulheres são muito gordas.
- E daí? A partir de que silhueta seria permitido rebolar?
Por que não democratizar o
padrão de beleza das revistas e
da moda?
- Democratizar? Democracia
por acaso é bunda na TV?
- Talvez seja. Também. Além
do mais, as luzes da TV, a atmosfera de domingo à tarde
nas casas, às vezes há um lado
da ginástica aeróbica nisso tudo.
- Há malícia também, comercialmente explorada.
- Tudo bem, há malícia. Mas
parece que elas estão conscientes de seus movimentos. E que
gostam.
E os programas têm grande
audiência.
- O que significa ter grande
audiência?
- Isso pode ser um dado da
cultura sexual brasileira. Parar de rebolar lá fora pode
querer dizer que isso não existe
aqui dentro. Ou vamos parar
de rebolar no próprio país?
- Isso não pode ser a marca
do Brasil.
- Quem somos nós para definir a marca do Brasil? O que
tem de ser tem muita força.
- Quer dizer que você aceita
passivamente.
- Obrigado por não dizer:
quer dizer que você aceita, rebolando. Mas não é esse o problema. Sinto que isso tem uma
história que vem da colônia.
Algo secular, complexo.
- Mas não justifica a passividade.
- Nem proíbe o rebolado. Estamos condenados aos mesmos
domingos.
- Às mesmas bundas.
- Sabe de uma coisa: o que é
que você tem contra a bunda?
- Contra ela em si, nada.
Contra uma vulgaridade desumanizadora, sim, tenho algo
contra.
- O que é humano? Esses milhões de seres fixados na TV
são de que galáxia?
- Mas podem avançar, com
outro tipo de espetáculo.
- Não adianta outro tipo de
espetáculo. Ela ia acabar reaparecendo, nem que seja na
imagem de uma professora escrevendo no quadro negro.
- Vê se entende: não proponho reprimir. Ela pode reaparecer na imagem da professora. Em mil outras. Talvez fosse
melhor assim, longe da fronteira do grotesco.
- A palavra grotesco pertence
àquele compartimento onde
estão vulgar e rasteiro. Tornam-se explosivas quando se
entrelaçam com sexo.
- Isso você já disse, mas não
vai confiscar o meu senso de
grotesco.
- Também não quero perder
o meu. Proponho apenas que
tudo fique um pouco como está.
- Estagnado?
- Não. Acontecendo. Enquanto isso tentamos entender. Lembrando, é claro, de pedir, toda noite, perdão pelos
nossos pecados.
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