São Paulo, sexta-feira, 11 de agosto de 2000


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LIVRO/LANÇAMENTO
"Morcegos Negros" reúne trupe de Collor em policial

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O governo Collor nunca coube direito nos limites de um jornal. Seus personagens como que reclamavam tratamento literário. Eram pessoas ordinárias metidas em acontecimentos extraordinários. Tão extraordinários que pareciam fictícios. "Morcegos Negros", livro do jornalista Lucas Figueiredo, reúne a trupe de Collor em seu hábitat mais apropriado: as páginas de uma novela policial.
Escreveram-se sobre Collor os capítulos mais impensáveis de toda a história política brasileira. Historiografia e dramaturgia interpenetraram-se nesse período. A verdade atravessou as fronteiras do imaginário. Os jornalistas tiveram de buscar o exato nos meandros do exagero, bem representado na trama de Lucas, 31.
A narrativa parte de uma pequena cela encravada na divisa da Itália com a Áustria e a Suíça -ali começou a ser desvendado o esquema que ligaria PC Farias à Máfia italiana. E termina nos gabinetes de Brasília, onde foram enterradas todas as oportunidades de levar adiante investigações que permitiriam responder à seguinte pergunta: onde está o dinheiro desviado pela gangue que se apropriou do Estado na era Collor?
Irá se decepcionar o leitor que mergulhar nas páginas de "Morcegos Negros" em busca de revelações bombásticas. O grosso do livro serve ingredientes que muitos já beliscaram ao correr os olhos pelos jornais. A diferença é que Lucas convida o leitor para se demorar um pouco mais à mesa, ornada com informações que costumam ser sonegadas pelo jornalismo diário, sempre tão ligeiro.
O próprio Lucas já havia revelado, nas páginas da Folha, uma descoberta dos procuradores italianos: a máfia internacional da droga pingou depósitos em contas mantidas pelo esquema PC em bancos estrangeiros. Foram US$ 2,1 milhões. No livro, oferece-se um inédito fluxograma em que a PF mapeou as contas de PC.
Registrou-se uma curiosidade: os dólares repassados pela Máfia italiana a PC foram escorrendo de banco em banco até chegar a instituições financeiras de Miami e Nova York. O que teria feito PC trocar o sossego dos paraísos fiscais por bancos americanos, mais vulneráveis às investigações?, eis um detalhe que intrigou os investigadores italianos. PC já era, então, um fugitivo internacional. Os EUA não constavam de sua rota de fuga. Os investigadores raciocinaram: EUA, Flórida, Miami, bairro de Bay Harbor, endereço de Fernando Collor. Por desinteresse do Brasil, a investigação não prosperou. Informado dos avanços obtidos na Itália, o Ministério da Justiça obteve, de mão beijada, uma penca de documentos. Entre eles depoimento do advogado argentino Luis Felipe Ricca, um dos testas-de-ferro de PC.
Ricca puxou uma meada promissora. Ele era titular de contas no exterior, que administrava em nome de PC. Procuradores italianos estranharam saques milionários, feitos na boca do caixa. Ricca contou que o dinheiro servia ora para custear despesas da fuga de PC, ora para subornar agentes da Interpol no Brasil e em Londres.
Disse mais: US$ 5 milhões voaram do Uruguai para o Brasil, para comprar votos no Congresso, contra o impeachment de Collor. O que fez a Polícia Federal? Nada.
A inoperância do sistema de investigação brasileiro salta das páginas do livro como pulgas de cachorro sardento. Sob FHC, faltou até dinheiro para traduzir documentos vindos da Itália. Não é difícil concluir por que o Brasil continua sendo o paraíso para mafiosos fugitivos. É mais fácil ainda entender por que nenhum integrante do esquema PC foi condenado em última instância.


Morcegos Negros - PC Farias, Collor, Máfias e a História Que o Brasil Não Conhece
    Autor: Lucas Figueiredo Editora: Record Quanto: R$ 28 (436 págs.)




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