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LIVRO/LANÇAMENTO
"Morcegos Negros" reúne trupe de Collor em policial
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O governo Collor nunca
coube direito nos limites de
um jornal. Seus personagens como que reclamavam tratamento
literário. Eram pessoas ordinárias
metidas em acontecimentos extraordinários. Tão extraordinários que pareciam fictícios. "Morcegos Negros", livro do jornalista
Lucas Figueiredo, reúne a trupe
de Collor em seu hábitat mais
apropriado: as páginas de uma
novela policial.
Escreveram-se sobre Collor os
capítulos mais impensáveis de toda a história política brasileira.
Historiografia e dramaturgia interpenetraram-se nesse período.
A verdade atravessou as fronteiras do imaginário. Os jornalistas
tiveram de buscar o exato nos
meandros do exagero, bem representado na trama de Lucas, 31.
A narrativa parte de uma pequena cela encravada na divisa da
Itália com a Áustria e a Suíça -ali
começou a ser desvendado o esquema que ligaria PC Farias à Máfia italiana. E termina nos gabinetes de Brasília, onde foram enterradas todas as oportunidades de
levar adiante investigações que
permitiriam responder à seguinte
pergunta: onde está o dinheiro
desviado pela gangue que se apropriou do Estado na era Collor?
Irá se decepcionar o leitor que
mergulhar nas páginas de "Morcegos Negros" em busca de revelações bombásticas. O grosso do
livro serve ingredientes que muitos já beliscaram ao correr os
olhos pelos jornais. A diferença é
que Lucas convida o leitor para se
demorar um pouco mais à mesa,
ornada com informações que costumam ser sonegadas pelo jornalismo diário, sempre tão ligeiro.
O próprio Lucas já havia revelado, nas páginas da Folha, uma
descoberta dos procuradores italianos: a máfia internacional da
droga pingou depósitos em contas mantidas pelo esquema PC em
bancos estrangeiros. Foram US$
2,1 milhões. No livro, oferece-se
um inédito fluxograma em que a
PF mapeou as contas de PC.
Registrou-se uma curiosidade:
os dólares repassados pela Máfia
italiana a PC foram escorrendo de
banco em banco até chegar a instituições financeiras de Miami e
Nova York. O que teria feito PC
trocar o sossego dos paraísos fiscais por bancos americanos, mais
vulneráveis às investigações?, eis
um detalhe que intrigou os investigadores italianos. PC já era, então, um fugitivo internacional. Os
EUA não constavam de sua rota
de fuga. Os investigadores raciocinaram: EUA, Flórida, Miami,
bairro de Bay Harbor, endereço
de Fernando Collor. Por desinteresse do Brasil, a investigação não
prosperou. Informado dos avanços obtidos na Itália, o Ministério
da Justiça obteve, de mão beijada,
uma penca de documentos. Entre
eles depoimento do advogado argentino Luis Felipe Ricca, um dos
testas-de-ferro de PC.
Ricca puxou uma meada promissora. Ele era titular de contas
no exterior, que administrava em
nome de PC. Procuradores italianos estranharam saques milionários, feitos na boca do caixa. Ricca
contou que o dinheiro servia ora
para custear despesas da fuga de
PC, ora para subornar agentes da
Interpol no Brasil e em Londres.
Disse mais: US$ 5 milhões voaram do Uruguai para o Brasil, para comprar votos no Congresso,
contra o impeachment de Collor.
O que fez a Polícia Federal? Nada.
A inoperância do sistema de investigação brasileiro salta das páginas do livro como pulgas de cachorro sardento. Sob FHC, faltou
até dinheiro para traduzir documentos vindos da Itália. Não é difícil concluir por que o Brasil continua sendo o paraíso para mafiosos fugitivos. É mais fácil ainda
entender por que nenhum integrante do esquema PC foi condenado em última instância.
Morcegos Negros - PC Farias,
Collor, Máfias e a História Que o
Brasil Não Conhece
Autor: Lucas Figueiredo
Editora: Record
Quanto: R$ 28 (436 págs.)
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