São Paulo, sexta-feira, 11 de agosto de 2000


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FESTIVAL DE SALZBURGO
Apresentação de "Tristão e Isolda" constrói arte globalizante

JOÃO BATISTA NATALI
ENVIADO ESPECIAL A SALZBURGO

"Tristão e Isolda", de Richard Wagner (1813-1883), não é apenas uma grande ópera do repertório romântico. É sobretudo um monumento ao teatro e à música. Foi com tal deferência que Salzburgo, dividindo custos com o Maggio Musicale Fiorentino, apresentou na última terça-feira a segunda das cinco récitas programadas para o festival austríaco.
Bem mais que uma superprodução (US$ 3 milhões), o que os cantores e a Filarmônica de Viena produziram foi algo próximo à construção de uma arte globalizante, que o próprio Wagner explicitamente reivindicava.
Tristão, personagem de uma lenda medieval, é o sobrinho e herdeiro do rei Marke, da Cornualha. Apaixona-se por Isolda, princesa a quem vai buscar na Irlanda para entregá-la ao tio como futura mulher. A impossível conciliação entre a irracionalidade do amor e os códigos racionais de honra e da lealdade conduz à morte dos amantes. Amor e morte tornam-se então indissociáveis.
Na encenação de Salzburgo, há, em primeiro lugar, como protagonista, a própria orquestra. A Filarmônica de Viena é capaz de um uníssono aveludado nas cordas, de um poder narrativo nas madeiras e de uma dramaticidade nos metais que os paulistanos constataram, no ano passado, na temporada do Cultura Artística.
Ela vem sendo regida pelo mesmo Lorin Maazel que a acompanhou a São Paulo. Alguns wagnerianos o julgaram heterodoxo e o vaiaram ao fim de três horas e 46 minutos de espetáculo. Ele por vezes puxa demais nas cores e com isso coloca a obra num patamar em que a possibilidade de reflexão introspectiva é submersa pelos grandes efeitos sonoros.
Mas é uma postura defensável. Estreada em Munique, em 1865, a ópera reiterou ao mesmo tempo a gramática de composição criada por Wagner -a do encadeamento de fragmentos melódicos- e desintegrou regras consagradas da harmonia: não se sabe, por vezes, com base em qual nota da escala se operam as dissonâncias e suas resoluções. A montagem de Salzburgo também valeu por suas vozes. Waltraud Meier, soprano alemã com 24 anos de carreira, tem lastro para se colocar ao lado de Germaine Lubain ou de Kirsten Flagstad, duas das grandes Isoldas do século.
Tristão é interpretado pelo jovem tenor norte-americano Jon Fredric West, há 11 anos um dos solistas do Met de Nova York. Ele não espanta apenas pela beleza do timbre, mas também pela energia vocal. O rei Marke tem como intérprete o baixo finlandês Matti Salminen. Kurwenal, confidente de Tristão, é cantado pelo barítono alemão Falk Struckmann, enquanto Brangane, a governanta de Isolda, traz a mezzo eslovena Marjana Lipovsek. Todos com uma técnica superlativa.
A direção cênica de Klaus Michael Gruber e a cenografia do espanhol Eduardo Arroyo aproveitam ao máximo a boca de cena de 32 m do Festspielhaus. No primeiro ato, uma estrutura metálica reproduz o perfil de uma embarcação. No segundo, os amantes se encontram numa floresta. Por fim, uma raridade: Isolda morre de pé. É a luz (da vida) que se extingue sobre seu rosto, enquanto entoa suas derradeiras palavras.


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