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FESTIVAL DE SALZBURGO
Apresentação de "Tristão e Isolda" constrói arte globalizante
JOÃO BATISTA NATALI
ENVIADO ESPECIAL A SALZBURGO
"Tristão e Isolda", de Richard Wagner (1813-1883), não é apenas uma grande
ópera do repertório romântico. É
sobretudo um monumento ao
teatro e à música. Foi com tal deferência que Salzburgo, dividindo
custos com o Maggio Musicale
Fiorentino, apresentou na última
terça-feira a segunda das cinco récitas programadas para o festival
austríaco.
Bem mais que uma superprodução (US$ 3 milhões), o que os
cantores e a Filarmônica de Viena
produziram foi algo próximo à
construção de uma arte globalizante, que o próprio Wagner explicitamente reivindicava.
Tristão, personagem de uma
lenda medieval, é o sobrinho e
herdeiro do rei Marke, da Cornualha. Apaixona-se por Isolda,
princesa a quem vai buscar na Irlanda para entregá-la ao tio como
futura mulher. A impossível conciliação entre a irracionalidade do
amor e os códigos racionais de
honra e da lealdade conduz à
morte dos amantes. Amor e morte tornam-se então indissociáveis.
Na encenação de Salzburgo, há,
em primeiro lugar, como protagonista, a própria orquestra. A Filarmônica de Viena é capaz de um
uníssono aveludado nas cordas,
de um poder narrativo nas madeiras e de uma dramaticidade
nos metais que os paulistanos
constataram, no ano passado, na
temporada do Cultura Artística.
Ela vem sendo regida pelo mesmo Lorin Maazel que a acompanhou a São Paulo. Alguns wagnerianos o julgaram heterodoxo e o
vaiaram ao fim de três horas e 46
minutos de espetáculo. Ele por
vezes puxa demais nas cores e
com isso coloca a obra num patamar em que a possibilidade de reflexão introspectiva é submersa
pelos grandes efeitos sonoros.
Mas é uma postura defensável.
Estreada em Munique, em 1865, a
ópera reiterou ao mesmo tempo a
gramática de composição criada
por Wagner -a do encadeamento de fragmentos melódicos- e
desintegrou regras consagradas
da harmonia: não se sabe, por vezes, com base em qual nota da escala se operam as dissonâncias e
suas resoluções. A montagem de
Salzburgo também valeu por suas
vozes. Waltraud Meier, soprano
alemã com 24 anos de carreira,
tem lastro para se colocar ao lado
de Germaine Lubain ou de Kirsten Flagstad, duas das grandes
Isoldas do século.
Tristão é interpretado pelo jovem tenor norte-americano Jon
Fredric West, há 11 anos um dos
solistas do Met de Nova York. Ele
não espanta apenas pela beleza do
timbre, mas também pela energia
vocal. O rei Marke tem como intérprete o baixo finlandês Matti
Salminen. Kurwenal, confidente
de Tristão, é cantado pelo barítono alemão Falk Struckmann, enquanto Brangane, a governanta
de Isolda, traz a mezzo eslovena
Marjana Lipovsek. Todos com
uma técnica superlativa.
A direção cênica de Klaus Michael Gruber e a cenografia do espanhol Eduardo Arroyo aproveitam ao máximo a boca de cena de
32 m do Festspielhaus. No primeiro ato, uma estrutura metálica reproduz o perfil de uma embarcação. No segundo, os amantes se
encontram numa floresta. Por
fim, uma raridade: Isolda morre
de pé. É a luz (da vida) que se extingue sobre seu rosto, enquanto
entoa suas derradeiras palavras.
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