São Paulo, sexta-feira, 11 de agosto de 2000


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CRÍTICA
Filme trafega na contramão do cinema-adrenalina

SÉRGIO RIZZO
ESPECIAL PARA A FOLHA

E mbarcar na jornada proposta pelo diretor francês Bruno Dumont em "A Humanidade" não é tarefa das mais fáceis. São duas horas e meia que contrariam, na aparência, a tese do movimento no cinema narrativo.
Nada parece acontecer na vida terrivelmente entediante dos moradores de Bailleul, pequena cidade operária na região norte da França. É um ponto no mapa, pelo qual o mundo passa rápido, a bordo do trem de alta velocidade que liga o país à Inglaterra.
À margem da linha ferroviária, ao alcance do olhar dos passageiros, Bailleul conhece seu lado mais aterrorizante: uma garota de 11 anos é estuprada e morta na volta da escola.
Quem encontra o corpo na relva é o policial Pharaon (Emmanuel Schotté), que passará a investigar o caso em companhia do chefe (Ghislain Ghesquère).
Acostumados à pasmaceira cotidiana, ambos são incapazes de elucidar um crime bárbaro como esse. Mas o quadro de Pharaon é um pouco mais grave: ele parece despreparado para a vida.
Dumont joga o entrecho detetivesco para segundo plano e nos aproxima desse adulto que às vezes se comporta como uma criança ainda incapaz de compreender as regras do jogo social.
Vive com a mãe, nutre uma atração mal disfarçada pela vizinha (Séverine Caneele) e não se importa de "segurar a vela" quando ela sai com o namorado, um motorista de ônibus apalermado (Philippe Tullier).
Mas há algo de nobre e incomum nessa figura apagada: ele mora em uma rua que leva o seu próprio nome, o mesmo do avô, o pintor realista Pharaon De Winter (1849-1924) -cujas obras aparecem no filme com autorização da família.
Uma delas, um auto-retrato, fica pendurado no quarto de Pharaon. É uma das peças do quebra-cabeça que, uma vez montado, ajuda a compreender o seu comportamento. Sabemos que passou por uma tragédia há alguns anos, mas tudo leva a crer que já era assim antes disso.
Se uma condição do ser humano emocionalmente equilibrado é sentir empatia pelos outros, ele é o que de melhor a espécie poderia produzir. Mas, na brutalidade cotidiana, essa qualidade é um fardo, mais ou menos como a maldição da mutante Vampira, que absorve a energia das pessoas que toca em "X-Men - O Filme".
Vencedor do Grande Prêmio do Júri e dos prêmios de melhor ator (Schotté) e atriz (Caneele) no Festival de Cinema de Cannes do ano passado, "A Humanidade" lembra sobretudo a ambientação de "A Vida de Jesus" (1997), o longa de estréia do cineasta.
Vai além dele, no entanto, sobretudo porque a pretensão aqui é maior e, com ela, o risco de desagradar. Dumont prefere trafegar na contramão do cinema-adrenalina. Quem se dispuser a baixar a guarda e experimentar a diferença de rotação verá que o impacto do filme não acaba quando ele termina.


A Humanidade
L" Humanité     Direção: Bruno Dumont Produção: França, 1999 Com: Emmanuel Schotté, Séverine Caneele, Philippe Tullier, Ghislain Ghesquière Quando: a partir de hoje no cine Vitrine




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