São Paulo, Segunda-feira, 11 de Outubro de 1999
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Sua poesia não era escrita, era reescrita

OSCAR PILAGALLO
Editor de Dinheiro

Poeta antimusical por excelência, como ele próprio se definia, João Cabral de Melo Neto corre o risco de ser mais lembrado por uma poesia que, além de musical, pela oralidade, foi mesmo musicada. É difícil uma referência a João Cabral escapar de tratá-lo como o autor de "Morte e Vida Severina", publicada em 1956.
Montada como peça teatral dez anos mais tarde, "Morte e Vida" consagrou popularmente o poeta. Com música de Chico Buarque, a poesia atingiu um público que não tinha acesso ao livro.
"Se quisesse, poderia ter feito mais dezenas de "Morte e Vida Severina". Mas para quê? O intelectual brasileiro, por exemplo, que não vive de escrever, não tem nenhuma razão para ficar se repetindo", disse ele em longa entrevista no primeiro número do "Cadernos de Literatura Brasileira", publicado em março de 1996.
Com exceções, como "Morte e Vida", João Cabral sempre evitou "fazer uma poesia cantante". Menos até: "Não é sequer uma poesia de oratória". Para ele, a poesia para ser declamada influenciou a obra de poetas como Carlos Drummond de Andrade e o chileno Pablo Neruda. "A minha é o contrário disso."
A poesia de João Cabral não é fácil. Nem de ler, nem de escrever. "Eu nunca tive uma necessidade interior de me expressar, de forma que, ao escrever, isso me custa muito, dá muito trabalho."
O trabalho vinha do esforço de soar antinatural. "Tentei fazer uma poesia construída, sem a espontaneidade do modernismo." E ele não escrevia -reescrevia: "Eu não me lembro de nenhum poema, mesmo da fase inicial, que tenha vingado em sua primeira versão. Nunca escrevi um poema, digamos, espontaneamente."
Fiel a esse método, João Cabral sabia que falava a um público restrito. "No fundo, a poesia sempre foi um veículo de poucos, até porque ela é um autêntico laboratório da linguagem."
Quando perguntado sobre quem seria seu herdeiro, Cabral cita só um nome: "Diria que sinto uma extensão do meu trabalho em relação a Augusto de Campos, embora acredite que ele tenha feito uma obra original estupenda".


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