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Sua poesia não era escrita, era reescrita
OSCAR PILAGALLO
Editor de Dinheiro
Poeta antimusical por excelência, como ele próprio se definia,
João Cabral de Melo Neto corre o
risco de ser mais lembrado por
uma poesia que, além de musical,
pela oralidade, foi mesmo musicada. É difícil uma referência a
João Cabral escapar de tratá-lo
como o autor de "Morte e Vida
Severina", publicada em 1956.
Montada como peça teatral dez
anos mais tarde, "Morte e Vida"
consagrou popularmente o poeta.
Com música de Chico Buarque, a
poesia atingiu um público que
não tinha acesso ao livro.
"Se quisesse, poderia ter feito
mais dezenas de "Morte e Vida Severina". Mas para quê? O intelectual brasileiro, por exemplo, que
não vive de escrever, não tem nenhuma razão para ficar se repetindo", disse ele em longa entrevista no primeiro número do "Cadernos de Literatura Brasileira",
publicado em março de 1996.
Com exceções, como "Morte e
Vida", João Cabral sempre evitou
"fazer uma poesia cantante". Menos até: "Não é sequer uma poesia
de oratória". Para ele, a poesia para ser declamada influenciou a
obra de poetas como Carlos
Drummond de Andrade e o chileno Pablo Neruda. "A minha é o
contrário disso."
A poesia de João Cabral não é
fácil. Nem de ler, nem de escrever.
"Eu nunca tive uma necessidade
interior de me expressar, de forma que, ao escrever, isso me custa
muito, dá muito trabalho."
O trabalho vinha do esforço de
soar antinatural. "Tentei fazer
uma poesia construída, sem a espontaneidade do modernismo."
E ele não escrevia -reescrevia:
"Eu não me lembro de nenhum
poema, mesmo da fase inicial,
que tenha vingado em sua primeira versão. Nunca escrevi um
poema, digamos, espontaneamente."
Fiel a esse método, João Cabral
sabia que falava a um público restrito. "No fundo, a poesia sempre
foi um veículo de poucos, até porque ela é um autêntico laboratório da linguagem."
Quando perguntado sobre
quem seria seu herdeiro, Cabral
cita só um nome: "Diria que sinto
uma extensão do meu trabalho
em relação a Augusto de Campos,
embora acredite que ele tenha feito uma obra original estupenda".
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