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ANÁLISE
Chacrinha ainda buzinaria a moça e comandaria a massa?
Será que o deboche livre de culpa e o descaramento sacana do velho guerreiro caberiam no mundo careta de hoje? Existe algum espaço para aquela anarquia?
HUGO POSSOLO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Quem ousaria dizer que Roberto Carlos é um bosta? Sob o
impacto dessa declaração começa "Alô, Alô, Teresinha", documentário de Nelson Hoineff,
que entra em cartaz dia 30.
É o ex-calouro Manoel de Jesus quem enche a boca para
mostrar que é melhor que o
Rei. Mas o pobre canta tão mal
que desabamos na gargalhada
sem dó. Chacrinha não o exporia a tanto ridículo e apertaria
sua buzina antes que ele respirasse para cantar.
O filme deixa o velho guerreiro Abelardo Barbosa e se concentra mais nos que viveram à
sua volta: ex-calouros, cantores
cuja carreira impulsionou e a
vida atual das ex-sensuais e para sempre chacretes. Eram as
gostosas in natura, sem silicone, que hoje são simpáticas senhoras, sem o glamour que tinham. Rita Cadillac, dizem, se
deu "melhor" em pornôs.
Talvez por falta de imagens
de arquivo, trechos em preto e
branco do período da TV colorida dão a sensação de incompreensão. Fica no ranço dos
perdedores, dos agradecimentos canastrões de antigos ídolos
e do envelhecimento das musas
do pastoril eletrônico. Coitadas, não foram para o trono e
ganharam o troféu abacaxi.
Nu e cru, o filme quebra um
pouco a expectativa de quem
queria reviver a explosão comunicativa do velho palhaço.
Chacrinha é do tempo em
que favela era favela. Não tinha
esse eufemismo tolo de dizer
comunidade. Não disfarçava o
brega, que se assumia em sua
plenitude. Apostava na mistura. Elymar Santos usava o mesmo microfone que Caetano Veloso. Raul Seixas ocupava o
mesmo picadeiro que Wanderlei Cardoso. Aquilo era a diversidade e não a separação mercadológica da audiência. E não
era intenção maquiada de bom
mocismo, era a esculhambação
pelo prazer da diversão.
O possível herdeiro da pança
que balança, Faustão, não se
perdeu na noite e fincou o pé
nos domingos tornando-os piores que uma enfadonha segunda. Mauricinho de camiseta polo, colocou terno no pagode e
casaco de couro no sertanejo.
Chacrinha era feira livre e
Faustão é shopping center.
Chacrinha promoveu a desmistificação da telinha, revelando e dialogando com os câmeras, fez a balbúrdia permanente sem deixar que organizassem a festa. É nesse contexto que o filme ganha sentido.
Um dos pontos altos são as
variadas versões para saber
quem é a tal Teresinha do bordão. Nenhum filósofo acharia a
solução sobre o que é a verdade
sob os trópicos.
Gilberto Gil traz a declaração
mais contundente ao falar da
crueldade do humor. Mas para
o doentio apelo do politicamente correto, deboche e esculhambação, hoje, são deméritos. Qual seria, agora, o espaço
para as loucuras desse bardo?
Jogar farinha nas macacas de
auditório, apertar o nariz de
um calouro, não deixar ele cantar, iriam para o ar?
Será que o deboche livre de
culpa e o descaramento sacana
do velho guerreiro caberiam no
mundo careta de hoje? Os
CEOs das grandes indústrias de
comunicação têm capacidade
de compreender aquela anarquia? Aceitariam o velho palhaço? Ou a ousadia deve, cada vez
mais, chegar enlatada e pronta
para fácil consumo?
Quem iria querer bacalhau?
HUGO POSSOLO, 47, é palhaço, dramaturgo e
diretor dos Parlapatões e do Circo Roda Brasil.
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