São Paulo, sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

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Última Moda

ALCINO LEITE NETO - ultima.moda@grupofolha.com.br

As modas por Gilberto Freyre

É reeditado o livro "Modos de Homem & Modas de Mulher", de 1987

A moda passou (e continua passando) ao largo das preocupações dos principais intelectuais brasileiros. Uma exceção à regra é Gilberto Freyre. Nos seus principais trabalhos, como "Casa Grande & Senzala", "Sobrados e Mocambos" e "Ordem e Progresso", o sociólogo dedicou relevante espaço à análise dos hábitos relacionados às roupas e às mudanças na vestimenta no Brasil, dos tempos da Colônia aos da República.
Não satisfeito, Freyre (1900-1987) empreendeu, já no final da vida, a redação de um livro inteiro sobre o tema, "Modos de Homem & Modas de Mulher", publicado postumamente em 1987. A obra, que se encontrava esgotada, ganhou agora uma segunda edição, revista, pela Global, com introdução da historiadora Mary del Priore.
É uma leitura fundamental para quem se interessa por moda e também pelo Brasil. A história social e cultural do país está sempre no foco dos 95 pequenos ensaios e comentários que compõem o livro, todo ele construído numa forma ousada: o final de um texto sempre incita o autor a desenvolver o texto seguinte, uma ideia puxando a outra ideia, e os artigos tecendo entre eles uma trama infindável de relações.
Relações, sobretudo, entre diferentes camadas do passado brasileiro e a atualidade do autor, a década de 80. Em voos não cronológicos, ele percorre os tempos coloniais para falar da herança negra nas vestimentas e dos laços do Brasil com o Oriente (sobretudo a Índia), de onde viria o gosto das brasileiras pelas roupas de cores vivas.
Atravessa o Império para demonstrar como a europeização do país espalhou tons escuros e silhuetas pesadas nos salões das elites -um estilo bastante "antiecológico", ele diz, por contrariar o clima tropical.
Avança ao Segundo Reinado e ao fim da escravidão, para tratar das roupas de Pedro 2º e das bonecas loiras trazidas da Europa, que impregnaram a cabeça das meninas ricas brasileiras de "racismo" e sonhos de loirice -daí a mania (que se mantém até hoje) de pintar os cabelos e esconder a "morenidade".

Modernismo na moda
O sociólogo e antropólogo também aborda o modernismo nas artes e na arquitetura, no qual ele vê uma inspiração para a própria moda brasileira sair da fase imitativa dos modelos europeus e desenvolver trajeto inédito. Para ele, a moda nacional já possui um rico repertório de referências -em boa parte, de origem popular, africana e indígena-, que favorece a criação de estilos singulares.
Uma infinidade de outros assuntos passam pela pena de Gilberto Freyre. Ele escreve sobre a liberação sexual e as conquistas profissionais das mulheres, a luta contra o envelhecimento, o fenômeno Sonia Braga, as roupas de luto, os tipos de penteados e calçados, os trajes das mulheres proletárias e o gosto brasileiro pelas ancas largas e as "protuberâncias".
Em plano mais teórico, discute -e contesta- ideias de Sapir e Julian Marías sobre as modas, defendendo que estas surgem menos das previsões dos designers que do uso difundido por certos grupos sociais.
Não há pesquisa original neste livro. Os ensaios nascem da observação do cotidiano, da leitura de jornais e revistas, ao que Freyre acrescenta rememorações de suas pesquisas pioneiras e demonstrações aplicadas à moda das suas principais teorias, como a da miscigenação social.
Por vezes, há exageros que encaminham os comentários ao campo da pura ideologia.
Mas isso é coisa de menor importância, diante da riqueza das análises, das intuições fulgurantes do sociólogo e da maneira como ele consegue abordar com olhos livres as transformações de seu tempo e este tema tão sujeito a preconceitos intelectuais, que é a moda.


MODOS DE HOMEM & MODAS DE MULHER

Autor: Gilberto Freyre
Editora: Global
Quanto: R$ 52 (333 págs.)




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