|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Última Moda
ALCINO LEITE NETO - ultima.moda@grupofolha.com.br
As modas por Gilberto Freyre
É reeditado o livro "Modos de Homem & Modas de Mulher", de 1987
A moda passou (e continua
passando) ao largo das preocupações dos principais intelectuais brasileiros. Uma exceção
à regra é Gilberto Freyre. Nos
seus principais trabalhos, como
"Casa Grande & Senzala", "Sobrados e Mocambos" e "Ordem
e Progresso", o sociólogo dedicou relevante espaço à análise
dos hábitos relacionados às
roupas e às mudanças na vestimenta no Brasil, dos tempos da
Colônia aos da República.
Não satisfeito, Freyre (1900-1987) empreendeu, já no final
da vida, a redação de um livro
inteiro sobre o tema, "Modos
de Homem & Modas de Mulher", publicado postumamente em 1987. A obra, que se encontrava esgotada, ganhou agora uma segunda edição, revista,
pela Global, com introdução da
historiadora Mary del Priore.
É uma leitura fundamental
para quem se interessa por moda e também pelo Brasil. A história social e cultural do país
está sempre no foco dos 95 pequenos ensaios e comentários
que compõem o livro, todo ele
construído numa forma ousada: o final de um texto sempre
incita o autor a desenvolver o
texto seguinte, uma ideia puxando a outra ideia, e os artigos
tecendo entre eles uma trama
infindável de relações.
Relações, sobretudo, entre
diferentes camadas do passado
brasileiro e a atualidade do autor, a década de 80. Em voos
não cronológicos, ele percorre
os tempos coloniais para falar
da herança negra nas vestimentas e dos laços do Brasil com o
Oriente (sobretudo a Índia), de
onde viria o gosto das brasileiras pelas roupas de cores vivas.
Atravessa o Império para demonstrar como a europeização
do país espalhou tons escuros e
silhuetas pesadas nos salões
das elites -um estilo bastante
"antiecológico", ele diz, por
contrariar o clima tropical.
Avança ao Segundo Reinado
e ao fim da escravidão, para tratar das roupas de Pedro 2º e das
bonecas loiras trazidas da Europa, que impregnaram a cabeça das meninas ricas brasileiras
de "racismo" e sonhos de loirice -daí a mania (que se mantém até hoje) de pintar os cabelos e esconder a "morenidade".
Modernismo na moda
O sociólogo e antropólogo
também aborda o modernismo
nas artes e na arquitetura, no
qual ele vê uma inspiração para
a própria moda brasileira sair
da fase imitativa dos modelos
europeus e desenvolver trajeto
inédito. Para ele, a moda nacional já possui um rico repertório
de referências -em boa parte,
de origem popular, africana e
indígena-, que favorece a criação de estilos singulares.
Uma infinidade de outros assuntos passam pela pena de
Gilberto Freyre. Ele escreve sobre a liberação sexual e as conquistas profissionais das mulheres, a luta contra o envelhecimento, o fenômeno Sonia
Braga, as roupas de luto, os tipos de penteados e calçados, os
trajes das mulheres proletárias
e o gosto brasileiro pelas ancas
largas e as "protuberâncias".
Em plano mais teórico, discute -e contesta- ideias de Sapir e Julian Marías sobre as
modas, defendendo que estas
surgem menos das previsões
dos designers que do uso difundido por certos grupos sociais.
Não há pesquisa original neste livro. Os ensaios nascem da
observação do cotidiano, da leitura de jornais e revistas, ao
que Freyre acrescenta rememorações de suas pesquisas
pioneiras e demonstrações
aplicadas à moda das suas principais teorias, como a da miscigenação social.
Por vezes, há exageros que
encaminham os comentários
ao campo da pura ideologia.
Mas isso é coisa de menor importância, diante da riqueza
das análises, das intuições fulgurantes do sociólogo e da maneira como ele consegue abordar com olhos livres as transformações de seu tempo e este
tema tão sujeito a preconceitos
intelectuais, que é a moda.
MODOS DE HOMEM & MODAS
DE MULHER
Autor: Gilberto Freyre
Editora: Global
Quanto: R$ 52 (333 págs.)
Texto Anterior: Crítica/"A Princesa e o Sapo": Disney volta com sucesso a seu velho estilo de animação 2D Próximo Texto: Frases Índice
|