São Paulo, segunda, 12 de janeiro de 1998.




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MÚSICA
Ritmo é tendência para 1998
MPB recebe minhocas com cérebro

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Reportagem Local

As "minhocas com cérebro" e a nova canção de protesto chegam a 1998 como candidatas a grandes novidades do ano em música popular brasileira. Quem aponta são os pré-cronogramas de lançamentos das grandes gravadoras para o ano que se abre.
Reprocessando o conceito de "caranguejos com cérebro" fundado entre 93 e 94 pelos pernambucanos do mangue beat, a banda Boato, nascida no Rio de Janeiro, elabora a intenção de aprender como fazer música com as minhocas.
Líder-ideólogo da banda, o capixaba de Cachoeiro do Itapemirim Cabelo, 30, também artista plástico emergente, explica o conceito:
"Eu fui criador de minhoca na roça. O gado produz excremento, você não tem nada para fazer com aquela merda toda. Então leva a um canteiro e coloca uma espécie de minhoca que transforma aquilo tudo em húmus, que é o melhor adubo orgânico que existe."
Da minhoca, ele chega à música: "Isso é metáfora do trabalho que a gente faz. Na civilização produtora de dejetos, temos de ter a propriedade alquímica da minhoca, de transformar merda em húmus".
As idéias do Boato -de onde veio também Pedro Luís, uma das revelações de 97- se expressam em letras como a de "O Berro da Cabra": "Minhoca que sou/ Vou comendo as porcaria/ Transformo tudo em húmus/ Em 45 dias/ Tenho os pés nas nuvens/ Os óio plantado na terra/ Germina o cabrito/ Brota a cabra berra, bééé".
Cabelo explica quais levadas a banda, montada há oito anos, usa para ninar a ideologia: "Boato não faz rock, faz pedra, no nosso solo. É roots, rock & reggae, tambor, África, reggae-rock-xote-funk".
Música de protesto
As ideologias mirabolantes não são as que predominam, entretanto, no elenco de estreantes de 98. O que se aponta como tendência dos novos contratos das gravadoras é o veio exposto por bandas como Planet Hemp e Racionais MC's.
Ao menos três novas bandas -todas fincadas no Rio de Janeiro- trazem em comum a preocupação com questões sociais vividas na própria pele: Squaws, Funk Fuckers e Cabeça de Nego.
"Fazemos um som bem variado, com rock, hip hop, dub, trip hop. Somos irreverentes, protestamos muito contra problemas sociais, políticos", diz Alexandre MZ, 28, baixista e produtor do CD dos Squaws, banda que reúne músicos nascidos em Curitiba, São Paulo e Rio. A convicção, segundo MZ, é de quem já morou na favela do Vidigal e conheceu de perto "a injustiça que rola no morro".
Integrantes da confraria de Planet Hemp e O Rappa, os Squaws deixam a bandeira da maconha para os primeiros. "Nós estamos mais ligados à injustiça social."
Funk Fuckers, banda formada em 93, é para a mídia a caçula desse mesmo circuito. "Todo mundo começou junto, nós, Planet Hemp, O Rappa. Só faltava a gente dar certo", diz B. Negão, 23, líder da banda. A cama musical é, segundo ele, a do rap-repente, com influências de Jackson do Pandeiro e Bezerra da Silva a funk e Miami bass.
"Nosso enfoque não é como o do Planet Hemp. O que a maconha é para eles, a mulher é para a gente. O enfoque é na sacanagem. Até falamos de maconha, mas não nos aprofundamos", afirma.
Da Baixada Fluminense, vem o Cabeça de Nego, sexteto empenhado em timbres que transitam do rock ao reggae, com a preocupação máxima de fazer dançar.
"Nossa base é a Baixada, somos da classe pobre legal, trabalhadora", define o percussionista Biguli, 28. "Nossas letras se baseiam na nossa vida, da parte romântica e dos conflitos sociais, do racismo, da pobreza."
Quem, ainda que também carioca, sai da linha groove/questões sociais e se coloca quase na contramão das modas do momento é a banda Berro, apadrinhada pelo produtor e jornalista Ezequiel Neves, antes eminência parda do Barão Vermelho. "É pop-rock, com abertura para batidas eletrônicas, modernas", define Rodrigo Big, 23, cantor e letrista do Berro.
Ele diz que a banda despreza, em parte, a tendência pela mistura de referências universais que caracterizam o pop dos anos 90. "A mistura de ritmos é uma marca, mas é uma coisa que não usamos. Se há influência de música brasileira na gente é do Barão, da Rita Lee, do rock. Como vou misturar se minha cultura é rock?"
Big admite que a opção pelo rock afasta em certa medida a banda da dita vanguarda. "Sob certos aspectos, não estamos na vanguarda, absolutamente. Tem vanguarda que é chata pra caramba, e o público de forma geral está pouco se importando com ela."
Fundamentos lançados, falta aos "novatos" mostrarem suas músicas para provarem -ou não- as cartas de intenções.



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