São Paulo, sexta-feira, 12 de março de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Última Moda

ALCINO LEITE NETO - ultima.moda@grupofolha.com.br

Eclipse em Paris

Confusão de ideias, monotonia de estilos e falta de novidades fashion marcaram a temporada francesa de desfiles do outono-inverno 2010/11

A moda depende de Paris como a Terra precisa do Sol. É da capital francesa que surgem as principais novidades e as maiores ousadias, dali irradiando estilos por todo o planeta.
E se não houver novidades, que são a maneira de a moda estabelecer comunicação com o momento social? E se as ousadias forem deixadas de lado? E se tudo parecer uma monótona repetição, uma falta do que dizer? Então o sol se apaga.
A temporada outono-inverno 2010/11 foi um verdadeiro eclipse em Paris. As grifes seguraram as rédeas, os estilistas contiveram suas audácias, tudo pareceu muito bonito, bem realizado, charmoso mas também muito enfadonho e repetitivo, sem nenhuma substância.
A partir do que se viu na França, parece que o design de moda propriamente dito está encurralado entre uma situação econômica pouco favorável a ele e uma forte mudança sociocultural, que as grifes não estão conseguindo captar.
Apesar disso, Paris conseguiu garantir o grande espetáculo midiático que são as temporadas fashion na cidade, como no surpreendente desfile da Viktor & Rolf, em que os próprios estilistas entraram na passarela para desvestir uma modelo que portava vários casacos, usando as roupas para cobrir as moças que entravam em seguida. A coleção foi mais simples e menos curiosa que a aplaudidíssima performance.
O público também gostou do cenário superproduzido da Chanel: uma montanha de gelo de 265 toneladas, vinda da Suécia, em torno da qual desfilavam as modelos, enquanto o chão era inundado pela água derretida do "iceberg".
Uma boa parte da nova coleção é encantadora, com minúcias deliciosas e um charmoso toque folk-glacial. Muitos looks, porém, pareceram pesados e maneiristas. Os tricôs (dominantes nesta estação) foram destaque, em construções sofisticadas. As peles, usadas em abundância, eram todas falsas -decisão da Chanel que pode representar uma revolução no luxo francês.
Na Dior, o show de John Galliano foi inspirado no dandismo inglês dos poetas românticos. Daí as colunas romanas neoclássicas do cenário, como se fossem a paisagem das deambulações de Byron e Keats em Roma. A coleção é muito versátil e comercial, com destaque (mais uma vez) para os tricôs e os looks de estilo masculino, baseados na roupa de equitação antiga.
A elegância inglesa inspirou igualmente a forte coleção da Hermès desenhada por Jean Paul Gaultier. Chamou a atenção como ele explorou para as mulheres uma série de iconografias masculinas britânicas -do detetive a James Bond-, dando a estas um toque sexy. O auge da demonstração de luxo da grife chegou num guarda-chuva cuja capa foi feita da mesma pele dos casacos (neste caso, pele verdadeira).
No espetáculo da Louis Vuitton, a nostalgia também predominou. O desfile foi feito em uma tenda instalada numa das áreas externas do Louvre, em torno de uma fonte que jorrou suas águas durante toda a apresentação. A trilha jazzística embalou o show de looks focados nos anos 50, com decotes hollywoodianos e muitas saias e vestidos godês -como se, de repente, os fashionistas tivessem sido transportados para a época de Grace Kelly.
Numa estação marcada pelas evocações passadistas, pela confusão de ideias e pela falta de rumos claros, foi o estilo minimalista que de fato se impôs em Paris, como se este fosse o mais apropriado para "limpar" o terreno e, quem sabe, prepará-lo para o novo.
A Céline, desenhada pela britânica Phoebe Philo, conseguiu outra vez se colocar na vanguarda da estação, com "minimal" -tendência que ganhou a adesão das ótimas coleções de Stella McCartney e Givenchy.
As três grifes captaram como poucas aquilo que, no momento, parece falar mais alto ao desejo feminino, no que diz respeito às roupas: design sem delírios, luxo sem ostentação, austeridade sem chatice e muita, muita sensualidade.

com VIVIAN WHITEMAN



Texto Anterior: Crítica/ "Lembranças": Pouco inspirado, drama sobre jovens desajustados é bem fácil de esquecer
Próximo Texto: Pedro Lourenço estreia na França
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.