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RECEITAS DO MELLÃO
É melhor que sexo
HAMILTON MELLÃO JR.
Colunista da Folha
Comer é o mais cúmplice dos
prazeres, embora os menos audaciosos ainda prefiram o sexo, um
mero arremedo de prazer que faz
suar, cansa, transmite doenças e,
ainda por cima, perpetua esta nossa miserável espécie.
Aqueles que privilegiam o divino
Dionísio à mesa sabem que o gozo
é atingido tanto pela genuína complexidade de um alimento extremamente simples, quanto nos pratos de mirabolante e dificultosa
execução. Sintetizando: o prazer
maior é atingido somente quando
existe a perfeição.
Para que esta conjunção anímica
aconteça, algumas preliminares
devem ser respeitadas. A primeira
delas é a escolha do parceiro. Comer não é um ato onanista e partilhar o prato é muito do prazer. O
silêncio entre os dois comensais
deve ser aquele de um segundo antes do Big Bang. São aceitos, assim
como incentivados, olhares, muxoxos e gestos.
Certos cuidados devem ser observados na expectativa do prazer:
não fumar e não tomar bebidas espirituosas, distanciar-se de tabus e
preconceitos alimentares, manter
a espinha ereta e o coração tranquilo abrindo, assim, um canal para os cinco sentidos.
A língua, ao contrário do que
pensa o vulgo, é o mais burro dos
órgãos. Ela somente detecta sensações primárias, como o doce, salgado, amargo, quente e frio. O sensorial é muito mais completo no
nariz, que tem uma ligação direta
com o cérebro e, se bem treinado,
pode distinguir até 7.000 odores. O
olhar faz a complementação estética, embora muitos chefs ainda tenham o nariz como ponto de referência para a beleza.
O tato só é permitido entre os
muito pobres ou os muito ricos,
assim como o incesto, já que a classe média come até pastel com garfo
e faca. Quanto à audição, é sistematicamente desprezada com o silêncio ambiente ou atormentada
por músicas de aeroporto, como se
ela não fosse coadjuvante inseparável da emoção.
Todo gourmet é um esteta em
busca de harmonia. Fiz algumas
tentativas de coadunar pratos clássicos com música, uma experiência fascinante que você deveria experimentar.
Trofeo, "Canção nº 9 a Oito Vozes": capeletti caseiro em brodo
forte de galinha.
Cavalieri, "Sinfonia da Representação da Alma e Corpo": peru trufado com purê de castanhas.
Lully, "Fanfarras Reais", de 1686:
pernil de porco em marinada de vinho Barolo.
Bizet, "Carmem", ato nº 4, Aragonaise: ostras com limão.
Gluck, "Orfeu e Eurídice, Dança
dos Espíritos Beatos": moqueca
com namorado.
Vivaldi, "Concerto em Mi Menor
para Fagote e Arcos": espaguete
alla Norma.
Berlioz, "A Danação de Fausto":
buchada de bode.
Mozart, "Divertimento K 247 em
Sol Maior": doces de marzipã variados.
Mozart, "Adágio para Harmônica e Copos K 356": Mont Blanc.
E-mail: mellao@uol.com.br
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