São Paulo, Sexta-feira, 12 de Março de 1999
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O artesão


Pedro Cardoso estréia hoje o monólogo "Os Ignorantes", em que assina o texto e direção, na reinauguração do teatro Hilton, em São Paulo, e recusa o rótulo de "ator global"


CRISTIANO CIPRIANO POMBO
free-lance para a Folha

Para ele o teatro é um artesanato, a televisão, uma indústria, e o cinema, apaixonante, mas inconstante.
Prestes a completar 20 anos de carreira -teatro, televisão e cinema- Pedro Cardoso, de "Vida ao Vivo Show" (programa da Rede Globo) e "Traição" (cinema), retorna ao palcos de São Paulo depois de quase três anos.
Hoje, ele reinaugura o teatro Hilton -após 45 dias de reformas- com o espetáculo "Os Ignorantes", em que assina texto, direção e comanda a cena vivendo sete personagens.
Em seu 1,70m, magro, bem-humorado e descredenciado a receber o título de galã, Pedro mescla o trágico e o cômico e deixa transparecer a identidade brasileira em um monólogo que parte da história de um menino atingido por uma bala perdida e que passa a ter seu futuro nas mãos das pessoas a sua volta.
Com investimento de R$ 70 mil somente em equipamentos de som, acompanhado de cinco músicos e um cenário com fotos dos personagens, Pedro Cardoso garante que apresenta no palco um padrão artístico que não consegue mostrar na TV.
Ainda fazendo alterações no texto da peça, o ator falou à Folha.

Folha - Quando você escreveu "Os Ignorantes"?
Pedro Cardoso -
Ao longo dos últimos três anos. É complicado, porque gostaria de ser um profissional exclusivo do teatro. O teatro não é uma indústria nem uma manufatura, é um artesanato. Sou um artesão e fico muito tempo escrevendo uma peça porque faço mil coisas no meio do caminho.
Folha - Quando escreve, você já se imagina atuando no papel?
Cardoso -
Sim. É quase um ator que escreve. Fico igual a um maluco, já fazendo e maquinando.
Folha - E por que um monólogo?
Cardoso -
O "O Autofalante", meu primeiro monólogo, não tinha como ser outra coisa: era um cara falando sozinho. "Os Ignorantes" poderia não ter sido um monólogo, e o único motivo de ser se deve ao fato do processo de escrever ainda estar para mim muito associado a fazer, ao ator.
Folha - Você já encenou a peça no Rio. Ela sofreu alterações?
Cardoso -
Sim. No teatro eu termino de escrever durante a temporada, porque faço mudanças no texto depois que a peça vai amadurecendo e vou descobrindo a melhor teatralidade das idéias.
Folha - Em que você se inspirou para escrever "Os Ignorantes"?
Cardoso -
Cheguei à conclusão de que algo muito forte dentro do autor vai de encontro a essa mesma coisa nos outros. Com "Os Ignorantes" fiquei norteado pela idéia de fazer algo simples, que pudesse ser visto por todos.
Folha - A crítica diz que sua carreira passou do teatro do besteirol para o adulto. O que mudou?
Cardoso -
Embora não reconheça meu trabalho nesse tipo de teatro, o besteirol, houve um amadurecimento, mas não porque aquele trabalho que fazia antes fosse imaturo, ele era maduro para os meus 20 anos. Hoje tenho 37 anos, sou adulto e faço um teatro adulto, mais consistente. Quanto ao que evoluiu: a experiência.
Folha - O que mais o agrada: teatro, cinema ou televisão?
Cardoso -
Teatro porque é o que domino mais. Ainda é o tipo de "carro" que dirijo melhor e o que dirijo há mais tempo.
Folha - E o cinema?
Cardoso -
O cinema é uma coisa dificílima. O cinema não tem constância nenhuma, é um tipo de trabalho difícil para nós e os cineastas. A cadeia econômica é incompleta e, por motivos culturais, falta uma cultura do cinema nacional.
Folha - Qual é sua opinião sobre o teatro hoje no Brasil?
Cardoso -
Temos hoje um tipo de teatro que não me agrada, um teatro intelectualizado, com a pretensão de abarcar temas da atualidade. O teatro é contar uma história. O Amir Klink quando foi a Antártida disse que na primeira vez só enxergou o branco e depois de um tempo viu mil tons desse branco.
O teatro é simples: um palco, o artista e o público. Temos que ver suas possibilidades, os mil tons. Tem artista que deveria publicar livro, dar aula e não fazer do teatro. O teatro hoje tenta se encontrar.
Folha - Você procura levar as possibilidades do teatro para a TV?
Cardoso -
Tento e não consigo. Tento fazer na televisão um trabalho tão definido quanto o que faço no teatro. Não sei se é possível. Como eu disse, o teatro é um artesanato, e a TV é uma indústria que explora os artesãos, não no sentido moralista, mas que compra o trabalho e impõe ao artesão o ritmo dela. É uma questão delicada: como industrializar o que é por definição um artesanato?
Folha - Isso frustra você?
Cardoso -
Não. Isso deve frustrar as empresas que exploram o artesanato, porque a própria empresa vê que aquilo que ela faz não consegue ser tão bom quanto o que o artista faz sem a pressão industrial.
Folha - Você chegou a sofrer algum tipo de preconceito ou restrição devido ao fato de ser magro e relativamente baixo?
Cardoso -
Eu não chamo de preconceito, mas ser um cara pequeno, magro e não ter uma beleza exuberante tem a ver com o fato de não fazer papéis de galã. Eu diria outra coisa: sofri incompreensão. Talvez pudesse ter feito na TV um trabalho muito bom e que nenhuma das pessoas que a lideravam naquele momento percebeu, tanto que vim a fazer depois.

Peça: Os Ignorantes Texto, direção e ator: Pedro Cardoso Supervisão: Amir Hadad Onde: Teatro Hilton (av. Ipiranga, 165, região central, tel. 259-6508) Quando: estréia hoje, às 21h; sexta e sábado, às 21h; domingo, às 20h; até 31 de maio Quanto: R$ 25


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