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CRÍTICA
Ator é simplesmente impressionante
GERALD THOMAS
especial para a Folha, de Nova York
Com o corpo flexionado e os
olhos fechados, o dedo indicador
sobre a testa e os dedos da outra
mão voando pelo ar, como se quisessem capturar algum espírito,
Pedro Cardoso é, simplesmente,
impressionante.
Em pé no centro do seu palco
azul, ele faz verdadeiras peripécias
com a língua brasileira e "surta"
em cena aberta, invocando todos
os santos e orixás, todas as crenças
e superstições e todos os clichês
que definem o brasileiro inocente-inútil, patife, canalha, pobre-coitado, violento, medroso, romanticamente otimista e bestial.
Solando, rimando, xingando ou
rezando, ele lembra um dos personagens perdidos das histórias de
Paul Auster, que atravessam suas
vidas sendo vítimas de trapaças do
destino e do acaso e que chegam ao
final exaustos de tanta articulação
mental de seu autor. Imperdível e
brilhante de dar inveja, Pedro Cardoso nos arrasta, às gargalhadas,
pelo território trágico de "Os Ignorantes" e nos expõe a uma jornada
alucinante e improvável de destinos que se cruzam e se agridem, se
degradam, se aconchegam na miséria e nos fazem morrer de rir.
Pedro Cardoso é um autor trágico que se apresenta na forma de
um comediante inocente. É inútil,
e até injusto, tentar descrever sua
arte por meio da tradição do
"stand up comic" norte-americano. Mas vendo-o em cena, arquitetando situações absurdas entre
seus personagens hiper-realistas,
eu não conseguia parar de pensar
no humor diabólico de Lenny Bruce, o ícone do humor social, herói
cult da contracultura e mestre em
deixar o público num abismo entre
a gargalhada desesperada e a culpa, ao se dar conta de que riam de
tragédias horríveis.
Em "Os Ignorantes", rimos da
imbecilidade e da mesquinhez dos
personagens, que reconhecemos
instantaneamente. Rimos do comportamento deles e de seus destinos fracassados e rimos da nossa
própria culpa diante de suas (parcas) existências. Mas Pedro Cardoso é muito mais que um comediante fazendo sua "routine". Ele é um
repentista que encontra seus personagens lúdicos dentro do abismo social brasileiro e que vai em
busca de alguma lógica que explique tanto desperdício humano.
Como se estivesse sendo guiado
por um espírito qualquer, esse autor-ator "recebe" seus santos e anti-santos em cena aberta e, sem a
menor piedade, os coloca a nossa
disposição. Isto é, à disposição da
nossa própria ignorância.
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