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LIVRO/LANÇAMENTO
"PEQUENAS CRIATURAS"
Contos do escritor mineiro apresentam a vida como enredo melancolicamente cômico
Fonseca volta com lucidez que cega
MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA
Muitos personagens do
novo volume de contos de
Rubem Fonseca têm algo a dizer
sobre a vida. "A vida é assim",
afirma o velho de "A Escolha",
"ninguém consegue tudo o que
quer". Ou: "A vida é um jogo de
soma zero", como sentencia o
amante de "Soma Zero". Ou, segundo o enlouquecido protagonista de "Sucesso": "A vida não é
uma anedota com final feliz".
Mas não é somente sobre a vida
em geral que discursam. Eles fornecem sua opinião sobre a família, a televisão, a vigarice e, é claro,
sobre os homens e as mulheres.
"As mulheres são seres estranhos,
adoram patifes que sejam bondosos e engraçados", observa o herói
de "O Garoto Maravilha". "Os homens são muito tolos, muito mais
vaidosos do que as mulheres", assegura a heroína de "O Pior dos
Venenos".
O que chama a atenção é a atitude dogmática com que eles expressam esses juízos de valor. Os
personagens de Fonseca são assertivos, arrogantes, seguros de si,
intolerantes. Agem como se um
excesso de lucidez os cegasse.
Emitem generalizações e se comportam de uma forma tão análoga
que se confundem entre si. O larápio de "Meu Avô" se parece com a
coquete de "O Pior dos Venenos"
que se parece com o ator de "Miss
Julie" que se parece com o conquistador de "Caderninho de Nomes".
Essa característica não desmerece em princípio a prosa de Fonseca. O romancista americano
Henry James também foi criticado por não diferenciar muito seus
personagens. Eles pensariam, agiriam e falariam de modo semelhante. James procurava um tipo
especial de personagem por meio
do qual poderia apresentar suas
histórias: alguém bastante inteligente para refletir a situação retratada, mas não inteligente demais
a ponto de deixar de se surpreender com seus desdobramentos.
Fonseca também parece buscar
um herói determinado: um ser,
como vimos, convicto de suas
opiniões, que enxerga o mundo
com uma simplicidade atroz e, na
maioria das vezes, age por impulso e por instinto. Em consequência, podemos nos apoiar sobre
seus ombros e ver a situação que o
envolve com maior clareza do que
ele próprio.
Quando crê dominar a realidade, esta o ilude e lhe dá o troco, seja obrigando-o a aceitar seu destino, seja apanhando-o de surpresa. O ator de "Miss Julie", por
exemplo, acha que compreendeu
o jogo estabelecido entre ele e
uma suposta prostituta, mas esta
mostra que o enganara o tempo
todo. A viúva caridosa de "Virtudes Teologais" aplaca sua consciência esmolando os pobres até
ver que a realidade era muito mais
complexa. A aceitação do destino
ainda pode se dar por meio da
vingança, com a eliminação do
objeto do ódio, como em "Ganhar
o Jogo" e "Nove Horas e Trinta
Minutos".
Iludir ou ser iludido: essa é a
única opção que se oferece aos
personagens. Adversários num
jogo que geralmente não dominam, seu destino é a solidão, como define Saturnino Vieira de
"Ilha": "Todo homem é uma ilha
[...". Todos os prazeres eram fugazes. Todo diálogo era de surdos.
Ninguém entendia ninguém".
No universo cinicamente pessimista, melancolicamente cômico
criado por Rubem Fonseca, as
pessoas são muito menores que a
vida. Por causa de sua miopia intelectual, julgam dominá-la e acabam frustradas por ela. Só resta a
essa gente comezinha arrotar certezas. Que, sabemos, não a redimirão.
Pequenas Criaturas
Autor: Rubem Fonseca
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 28 (286 págs.)
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