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CINEMA/ESTRÉIAS
"ITALIANO PARA PRINCIPIANTES"
Lone Scherfig retoma questão do protestantismo e utiliza elementos do Dogma 95
Longa se enquadra na tradição nórdica
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
"Italiano para Principiantes" retoma a questão que
tem sido central nos países nórdicos (especialmente na Dinamarca) desde os tempos do cinema
mudo: a divisão entre duas correntes do protestantismo.
Uma delas, inflexível, não vê saída para o homem, esse ser decaído. A outra acredita na tolerância
e na remissão do homem.
Não é de estranhar que, no filme
de Lone Scherfig, esse conflito esteja presente em quase tudo. Como na disputa entre o jovem pastor Andreas e seu predecessor. Ou
nas ríspidas reprovações que o rígido pai endereça a Olympia.
Scherfig trabalha um grupo de
pessoas solitárias ou inseguras:
entre os homens, um funcionário
de hotel que se julga impotente,
um gerente de restaurante auto-suficiente e o jovem pastor viúvo;
entre as mulheres, há um sofrimento mais introjetado, como se
a dor estivesse na natureza delas:
uma se ocupa do pai caquético; a
outra, da mãe prestes a morrer.
A história se passa em Copenhague, mas poderia ser em qualquer cidade dinamarquesa. Raramente há um exterior. Isso sinaliza austeridade do protestantismo,
que os protagonistas parecem
querer romper desde o início.
A Itália significa aqui luminosidade, festividade, sensualidade.
Características que se podem associar ao catolicismo e respondem por uma afetividade que a
Dinamarca -ou seja, o protestantismo- parecem lhe negar.
O filme de Scherfig se enquadra
na estrita tradição do cinema nórdico, desde os tempos do cinema
mudo, já que o seu maior nome,
Carl Th. Dreyer (entre tantos importantes, de Mauritz Stiller a Ingmar Bergman), sempre tomou
partido da corrente que acreditava na tolerância e na presença de
Deus entre os homens.
É nessa direção que vai "Italiano
para Principiantes", embora
Scherfig a ela acrescente essa digressão veneziana e através dela
promova um suave encontro com
o mundanismo católico.
Nesse filme, o certificado do
Dogma 95 (filmado sem tripé,
apenas com luz natural, sem música incidental, ou seja, sem ornamentos, o que não deixa de ser
bem protestante) estampado na
abertura não deixa de ser postiço.
Em outros filmes do Dogma,
certas características da imagem
tomada nessas condições (a câmera tremida ou a granulação
forte da imagem nos interiores)
integravam-se ao conjunto sem
dificuldade. Aqui, tais qualidades
são não raro discrepantes, e não
raro perguntamos por que a imagem granula ou por que tal plano
é enquadrado sem rigor aparente.
Em "Italiano", o Dogma é um
tanto postiço, parece que entra ali
como marca publicitária. O que
não o torna, diga-se, um filme
menos agradável de ver.
Italiano para Principiantes
Italiensk for Begyndere
Direção: Lone Scherfig
Produção: Dinamarca, 2000
Com: Anders W. Berthelsen, Lars
Kaalund, Peter Gantzler
Quando: a partir de hoje no Espaço
Unibanco, Unibanco Arteplex e Lumière
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