São Paulo, Segunda-feira, 12 de Abril de 1999
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Shirley Horn e a noite do silêncio

SÉRGIO DÁVILA
Editor da Ilustrada

Não, ela não estava mais resfriada. E conseguiu de novo. A cantora e pianista Shirley Horn arrebatou a platéia cheia do Alfa Real, na noite de sexta-feira, a golpes de sutileza, virtuosismo e silêncio.
Foram seis músicas de Tom Jobim e 50 minutos de show, amparados pelo verdadeiro "tapete" sonoro cerzido pelo baterista Steve Williams e o baixista Charles Ables (sempre com seu braço seguro e óculos de super-herói).
À frente, este caso raro de combinação perfeita entre cantora e pianista (Nina Simone pode ser instrumentista mais exuberante, mas a voz fica a dever à de Horn).
Isso ficou claro na última música, "How Insensitive" (em que trocava o verso final "when a love affair is over" para "when a love affair is ended", da mesma maneira que masculinizou todas as referências femininas das músicas de Jobim, como em "Boy from Ipanema").
Assim, enquanto conseguia a magia de pontuar suas frases com interjeições que são verdadeiros pizicatos vocais, afinal nos lembrando que a voz é também um instrumento de cordas, o teclado acompanhava com staccatos, numa harmonia tão perfeita quanto só conseguem a voz de João Gilberto e seu violão. Aliás, o brasileiro era referência também na relação de Shirley Horn com o silêncio. Os dois músicos talvez sejam os únicos, hoje, que arrancam do público nacos prazerosos de silêncio.
A noite terminou com a única não jobiniana, o bis "Here's to Life", do disco homônimo de 1992. Um brinde à vida.

Zimbo Trio e Lee Konitz
A seguir, entrou o veterano Zimbo Trio, 35, num caso flagrante de equívoco de programação, já que a ordem contrária seria a lógica.
Na verdade, a lógica seria a não participação dos brasileiros, que foi, numa palavra, constrangedora. Continuam fazendo uma leitura velha, folclórica, no mau sentido, do jazz. Abriram com "Garota de Ipanema" seguida de um pot-pourri de Jobim, num clima banda de restaurante.
Então, um deslocado Lee Konitz entrou, tocou "Luiza" e quase foi engolido pelo trio, que confundia barulho com empolgação. Aí, a sensação já era de show de formatura de conservatório musical.
Para não dizer que tudo foi um horror e em honra à lembrança ainda fresca de Shirley Horn nos ouvidos, o sax alto de Konitz e o piano de Amilton Godoy executaram uma bela "Triste". E só.


Avaliação:
(Horn);
(Zimbo Trio e Konitz)


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