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FERNANDO GABEIRA
O que fazer quando encontramos um pit bull?
Comecei a semana pensando
em escrever algo sobre pit bull.
Viajei para Curitiba e entrei
num seminário em que se discutia a compaixão. Tinha tudo
para esquecer o pit bull.
Dalai-lama contou a história
de um monge budista que passou 20 anos na prisão, sofrendo
barbaridades. Ao sair, confessou que sentiu o perigo apenas
algumas vezes. Perguntaram se
era perigo de vida. Ele disse:
"Não, era o perigo de perder a
compaixão pelos chineses".
Mas para que não se tivesse
uma visão muito romântica da
compaixão, o líder tibetano
acrescentou:
- Se um cachorro bravo vier
atacá-los, fujam. De nada vai
adiantar dizer compaixão,
compaixão...
De novo, me veio à cabeça o
pit bull. Vivemos uma temporada de episódios envolvendo
cães bravios. O pit bull tornou-se um símbolo. No Rio há até os
pit boys que infernizam as festas com sua pancadaria. A torcida do Flamengo grita quando
Romário faz um gol: "Ul, ul, ul,
Romário é um pit bull".
Minha dificuldade em opinar
sobre o pit bull está na hesitação entre as duas teses. Uma
diz que a raça foi preparada
geneticamente para matar.
Outra diz que tudo depende do
dono e há pit bull que brinca
com as crianças com a placidez
de um são bernardo.
Já participei de centenas de
debates desse tipo: geneticamente ou socialmente determinado? No entanto, no caso do
pit bull não tenho elementos
para afirmar uma ou outra.
Teria de aprender sobre pit bull
e isso demanda estudo e convivência.
Acho que os defensores da tese de que o dono é o que importa merecem um pequeno crédito de confiança, porque apresentam provas concretas,
exemplos de pit bull manso, puxando carrinho de bebê.
Se é assim, o que fazer com os
donos? O próprio seminário ao
qual eu assistia acabou me
dando uma idéia. Os budistas
acham que a raiva faz mal à
saúde. Todos nós sabemos disso
intuitivamente. Logo, seria
preciso cuidar da raiva que
ataca os donos de pit bull.
Não dá para defender isso
apenas com argumentos do saber cotidiano ou da experiência não-científica das religiões.
Por sorte, no avião distribuíram uma revista "Time" anunciando que cientistas americanos estão desenvolvendo a terapia do perdão. Pessoas que
foram atingidas por outras vivem melhor quando, depois de
anos de ressentimento, perdoam seus agressores.
Já que agora é quase científica a suposição de que raiva e
ressentimento fazem mal à
saúde, talvez valesse a pena
aplicar a terapia do perdão aos
donos de pit bull que educarem
seus cães.
Como distinguir o dono que
educa para a paz e o que educa
para a guerra? A melhor idéia
que conheço é a de Tuga Angerami, deputado paulista que
propôs um exame psicológico
de seis em seis meses. Na verdade, ele lançou essa idéia num
projeto sobre professores de lutas marciais. A licença seria revalidada a cada exame. O mesmo poderia ser feito com os donos de pit bull.
Alguns deputados me sondaram sobre o projeto de castrar e
esterilizar os pit bulls. Não consegui me identificar com a
idéia. Castração e esterilização
são muito radicais. E se estivermos enganados na hipótese de
que sua agressividade é genética? Teríamos exterminado
uma raça e, para aliviar nossa
culpa, buscaríamos reproduzi-la em laboratório. Os pit bulls
de proveta ainda assim seriam
uma lembrança constrangedora dos outros que se tornaram
violentos porque foram educados para isso.
Acho que temos um acúmulo
de experiência para transformar o extermínio em último recurso. Num momento em que
tantas espécies desaparecem,
por que acabar com mais uma,
sem tentar a hipótese que valoriza a preservação dos pit bulls?
O argumento que alguns interlocutores levantaram de que
alguns países europeus optaram pelo extermínio valoriza
demais uma idéia da Europa.
Os trágicos momentos que estamos vivendo, momentos de
limpeza étnica e estúpidos
bombardeios, não nos autorizam a tomar nenhum desses
países como um modelo perfeito.
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