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Crítica/"Cidadão Cannes"
Autobiografia de Gilles Jacob revela paixões e ódios que movem festival
LEON CAKOFF
ESPECIAL PARA A FOLHA
Em francês o trocadilho
é inequívoco. Cannes e
Kane são ditos do mesmo jeito -"kánn". E "Cidadão
Cannes", livro, insere-se na galeria dos prodígios literários capazes de arrancar reações dos
leitores. Afinal, há muito somos
atingidos pelas ondas lançadas
pelo balneário mediterrâneo e
seu Festival de Cannes.
Gilles Jacob, o diretor desde
1976, revela agora os bastidores
desta megaoperação que provoca amor e ódio, paixão e indiferença em cinéfilos e turistas
de todo o mundo.
A mais-valia tem em Cannes
o seu mais perfeito microcosmo. Todos podem ter seu lugar
ao sol no festival, mas os preços
abusivos são capazes de indignar até os mais poderosos executivos de Hollywood.
A humilhação, quase como
um exercício institucional em
Cannes, é reservada desde a um
jornalista principiante que não
tem acesso aos filmes até às
maiores estrelas do cinema
francês, como Alain Delon, esquecido no aeroporto de Nice.
Veremos ainda como os círculos do poder afetam os encantos do cinema. O exercício
de memória é um estímulo literário. A mistura de lembranças
sem cronologia inclui, além dos
melhores e mais nervosos momentos do festival, intimidades
da vida familiar, o casamento
infeliz dos pais, os perigos na
pele de ser judeu na França invadida pelos nazistas, quando o
fazem passar por criança católica no remoto noviciado de
Santo Rosário, em Voiron.
"Nunca deixarei que digam na
minha frente que a igreja não
ajudou os judeus durante a
guerra" é uma de suas comoventes afirmações.
A sinceridade de Gilles Jacob
revela jurados cruéis ou manipuláveis. Ao enfrentar "o público mais blasê do mundo" (o de
Cannes, é claro), a vaidade e até
a corrupção de políticos, o diretor do festival expõe em várias
passagens a fragilidade de seu
cargo. Uma delas, em 1991,
quando é chamado ao gabinete
do ministro da Cultura Jack
Lang para ouvir ameaçadoramente que não havia estrelas
suficientes na abertura para
posar ao seu lado.
Para a sorte dos cinéfilos,
Gilles Jacob não ganhou o cargo por barganha política e, sim,
por méritos de sua bagagem como crítico apaixonado por cinema. Quando nos introduz à
fogueira de vaidades e confidencia como todo esse universo se move, entendemos a sua
opção de misturar emocionantes passagens da sua vida real.
Nessa eletrizante mistura, nem
ele escapa de ser julgado: "Todo
diretor de festival é um cineasta reprimido...", sentencia. Palma de Ouro para Gilles Jacob.
LEON CAKOFF é diretor da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
CIDADÃO CANNES
Autor: Gilles Jacob
Tradução: Maria Lucia Machado
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 54 (392 págs.)
Lançamento: 14 de maio
Avaliação: ótimo
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