São Paulo, domingo, 12 de junho de 2005

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Bienal de Veneza começa hoje com olhar feminino

FABIO CYPRIANO
ENVIADO ESPECIAL A VENEZA

Filippo Monteforte/France Presse
A instalação "Hope Hippo", de Jennifer Allora e Guillermo Calzadilla, exibida no Arsenale, em Veneza


"Bem-vindo à Bienal feminista", diz a primeira imagem para quem entra no Arsenale, um dos espaços expositivos da mostra com curadoria de Rosa Martínez, uma das duas responsáveis pela 51ª Bienal de Veneza, que abre hoje. Abaixo desse texto, obra do grupo americano Guerrilla Girls, estatísticas apresentam o motivo: em sua primeira edição, em 1895, havia apenas 2,4% de mulheres expondo; agora são 38%.
Em seguida, a próxima obra, da portuguesa Joana Vasconcelos, um imenso candelabro feito de absorventes femininos, reforça a tese. Trata-se de uma Bienal com um olhar especial para mulheres.
É verdade que a primeira obra de fato, no corredor de acesso ao Arsenale, é de um homem, o espanhol Santiago Serra, uma voz que diz sobre todas as proibições existentes na história, como "é proibido mexer nas obras", mas o que se vê no pavilhão não deixa dúvidas da intenção de sua organizadora: "Sim, eu procurei ser radical, afinal é a primeira vez, nos cem anos da Bienal, que mulheres são responsáveis pela exposição", disse à Folha Martínez.
Com isso, apesar de não ter um tema específico nem apontar novas direções, as curadoras pagam uma dívida com o passado da mais antiga das bienais.
Falar em arte feminina certamente é bobagem, mas não deixa de ser certo, o que também apontaram as Guerrilla Girls em outra de suas obras, em que "mulheres precisavam estar nuas para entrar nos museus", como de fato se verifica nas pinturas de vários museus da própria Veneza.
O manifesto feminista, entretanto, não dura muito. As poéticas que seguem a mostra estão, de fato, mais voltadas ao que Martínez apontou como "desejo de comunicação" com o grande público, o que gera também um certo caráter espetacular para as obras, caso, por exemplo, das caixas de papelão do grupo russo Blue Noses, que recebem projeções de pessoas seminuas em posições sexuais cômicas, ou então as fotos e trajes bizarros do travesti australiano Leigh Bowery (1961-94).
"Busquei provocar o espetacular mas também procurei um balanço com obras discretas como o pequeno pêndulo da italiana Bruna Esposito", conta Martínez.
Imersão é outro viés marcante. Da surrealista nave espacial da japonesa Mariko Mori, em que, para entrar, é necessário se conectar como se o observador fosse fazer um eletrocardiograma, às várias salas em que é preciso percorrer no escuro, como pelas pequenas projeções de imagens arquitetônicas do cubano Carlos Garaicoa, a produção contemporânea visa uma experiência além do visual.
Nesse quesito, a mineira Rivane Neuenschwander consegue, em sua obra, presença massiva: as sete máquinas de escrever, com os tipos gráficos trocados por pontos, eram uma coqueluche.
Na outra curadoria da Bienal, a cargo de María de Corral, por exemplo, o argentino Leandro Erlich reproduz com uma instalação "Janela Indiscreta", de Alfred Hitchcock, usando cenas contemporâneas. A sul-africana Candice Breitz usa imagens de estrelas de Hollywood em momentos que falam sobre a maternidade. O italiano Francesco Vezoli apresenta um trailer fictício de "Calígula", com depoimentos de Gore Vidal.
"A Experiência da Arte", a exposição de Corral, no Pavilhão da Itália, revela-se menos arrojada que a de sua colega, mas com artistas que são forte influência em toda a produção contemporânea, como Francis Bacon, Barbara Kruger, Dan Grahan, Bruce Nauman e Cildo Meireles.
Os pavilhões nacionais no Giardini trazem pouco frescor, mas devem ter custado fortunas. Nomes como Gilbert & George, da Inglaterra, e Annette Messager, da França, trazem novos trabalhos, mas que parecem já vistos.
Exceção é o trabalho da suíça Pipilotti Risti, numa igreja, fora dos domínios da Bienal. Com projeções no teto e lugares confortáveis no chão, Risti, conhecida pela ênfase feminista, atesta que Martínez e Corral não pagam um tributo apenas ao passado da Bienal mas também ao seu presente.


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