São Paulo, Sábado, 12 de Junho de 1999
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Rulfo vai ao cinema com parábolas sobre riqueza e fome

JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas

Toda a obra literária do mexicano Juan Rulfo (1918-86) -a coletânea de contos "O Planalto em Chamas" e o romance "Pedro Páramo"- cabe num livro de menos de 300 páginas.
No entanto, poucos escritores do continente foram tão influentes quanto Rulfo, que retratou o universo calcinado dos camponeses mexicanos numa linguagem próxima ao mesmo tempo da concisão de um Graciliano Ramos e da complexidade de vozes e tempos narrativos de um Faulkner.
Tão poderosas são essas poucas páginas escritas por Rulfo que várias delas foram levadas ao cinema, algumas mais de uma vez. É o caso de "Pedro Páramo", filmado em 1966 e em 1976, e dos contos "Talpa" e "O Homem", cada um deles levado às telas duas vezes.
É com esse pano de fundo em mente que se deve saudar a publicação, no Brasil, de "O Galo de Ouro e Outros Textos para Cinema", de Juan Rulfo.
O livro compõe-se de três textos de natureza bem distinta. O mais longo deles, "O Galo de Ouro", é a narrativa que serviu de base ao filme homônimo, dirigido por Roberto Galvadón em 1964. O roteiro propriamente dito foi escrito por Galvadón em parceria com ninguém menos que Carlos Fuentes e Gabriel García Márquez.
A mesma história seria refilmada em 1986 por Arturo Ripstein, com o título "O Império da Fortuna".
"O Galo de Ouro", com sua estrutura contínua e linear, pode ser lido como se fosse um conto: é a história de um homem pobre que enriquece apostando em brigas de galo, e seu relacionamento com uma cantora de botequim.
Parábola sobre a fugacidade da riqueza material, mesclada com um retrato do universo mental do mexicano do interior, o texto deixa-se ler com prazer e proveito, embora não apresente o mesmo rigor formal das obras propriamente literárias do autor.
Bem diverso é o caso de "O Despojo", roteiro de um curta-metragem de coloração fantástica dirigido pelo cineasta Antonio Reynoso em 1960.
Um camponês é morto a tiros por um capataz. No instante da morte, sua imagem é congelada, mas a ação continua, como se ele ganhasse uma milagrosa sobrevida, na qual foge pelo deserto com a mulher e o filho paralítico, apenas para ver o filho morrer, algumas horas depois.
Completam o livro dois poemas em verso livre que serviram de texto em "off" ao filme surrealista "A Fórmula Secreta", realizado por Rubén Gámez em 1964.
Sobre imagens como a de um cachorro-quente gigante que escapa da cozinha de um restaurante, ou do linchamento de um padre por jovens seminaristas, o texto do escritor soa quase como um panfleto contra a fome e a injustiça social:
"Quando deixarmos de roncar feito vespas em enxame/ ou nos volvermos cauda de redemoinho,/ ou quando terminarmos por escorrer sobre a terra/ como um relâmpago de mortos,/ então/ talvez chegue a todos o remédio."
Não é nenhum João Cabral de Melo Neto, mas tem lá a sua força.


Avaliação:    

Livro: O Galo de Ouro e Outros Textos para Cinema Autor: Juan Rulfo Tradução: Eric Nepomuceno Lançamento: Civilização Brasileira Quanto: R$ 16 (95 págs.)

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