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São Paulo, terça-feira, 12 de agosto de 2003

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Depois das trilhas de "Casa dos Artistas", Laura Finocchiaro aposta na produção independente, com "Oi"

A menina das canções


Cantora fala sobre o difícil êxito no "reality show" do SBT, do "vazio" da TV e da confecção do seu novo disco


PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

Com mais de 20 anos de carreira, a cantora e compositora gaúcha Laura Finocchiaro, 41, ficou famosa em 2001, sem que por isso seu rosto ficasse conhecido.
Foi quando se tornou a responsável pela trilha sonora da "Casa dos Artistas" do SBT e conseguiu, por essa brecha, colocar sofisticação musical no mundo cão da TV.
Até então só possuía dois discos gravados. Hoje, após sonorizar as três edições da "Casa" e o recente "reality show" "O Conquistador do Fim do Mundo", lança o independente "Oi", que encara quase como um disco de estréia.
Apesar do sucesso de público e crítica da trilha da "Casa" e da folga financeira que recebeu dali, ela não despe a roupa de crítica e autocrítica para analisar a fase SBT.
"No final me senti vazia. Vi o sucesso em nome do sucesso, vi como não havia nada por dentro de muito daquilo. Lá vi que eu não queria ser assim", conta.
Conecta a experiência com outra anterior, de quando se integrou à cena eletrônica de São Paulo. "No SBT, aprendi a humildade. Eu me desvinculei do pequeno mundo clubber em que estava envolvida, vi que lá havia também muito preconceito. É doloroso."
Irmã da roqueira gaúcha Lory F., que morreu em decorrência de Aids em 1993, Finocchiaro trabalhava com música junto a crianças com câncer quando surgiu a proposta da "Casa dos Artistas".
A equipe da "Casa", que vinha em parte da MTV, lembrou de seu nome para a sonorização do programa. Laura teria de assinar um contrato sem nenhuma informação sobre o programa, que exigia dedicação em tempo integral.
Receberia R$ 3.000 por mês, "bem mais do que estava ganhando". Recusou, relutou. Aceitou. Hoje não deixa de se divertir ao recordar o período SBT, em que trabalhava 18h por dia. "Dormi várias noites lá. Tomava banho no banheiro do estúdio, me enxugava com papel-toalha."
Passou a colocar clássicos antigos e novos artistas na trilha ("Coloquei Fernanda Porto no CD quando ninguém a conhecia. Foi a única que me agradeceu".).
"Diziam que eu estava louca de colocar Aretha Franklin, uma "morta". Levava bronca da cúpula mais antiga do SBT", afirma.
Pois a seleção emplacou, a ponto de Silvio Santos em pessoa querer conhecê-la. "De repente a porta abriu e era ele. Queria conhecer "a menina das canções". Meu joelho virou, perdi a força."
Ele a parabenizou, perguntou quem ela era, como selecionava as canções. "Respondi que ia pelo coração e que não tocaria nenhuma música por dinheiro. Senti que ali ele passou a me respeitar."
Segundo ela, o sucesso da trilha atraiu executivos de gravadoras que nunca a haviam recebido. "(O diretor de marketing) Marcelo Maia, da Warner, prometeu lançar meu disco se eu colocasse músicas que ele sugeria. Recusei, ele nunca mais me procurou."
Maia rebate: "Nunca conversei com Laura nessas condições. Não é, nunca foi e nunca será do meu feitio esse tipo de negociação".

"Oi"
Laura Finocchiaro não nega que a fase de sucesso lhe deu fôlego para conceber "Oi", que inaugura seu próprio selo, Sorte, distribuído pela Trama. Avalia que mesmo João Marcello Bôscoli, da Trama, só a atendeu após a repercussão. "Devo ter sido a primeira a ligar para a Trama. Uma pessoa que nem está mais lá me disse que eu estava velha, passada. Só pude falar com ele quando pedi para usar coisas da Trama na "Casa"."
Celebra a relação atual com a gravadora, que só licencia seu CD, mas cedeu cem horas gratuitas de estúdio para a confecção de "Oi".
"Gravei no microfone em que Elis Regina gravava. Eu chorava de emoção, lembrava que foi João Marcello, o filho dela, quem parou e prestou atenção em mim."
Sobre seu novo CD, diz que continua lidando com todo tipo de eletrônica, mas tenta uma volta aos temas de emocionar, à harmonia, ao formato de canção.
"A música está fria. Cresci ouvindo canções que mudaram minha vida. Eu me assumi lésbica quando, aos 15 anos, ouvi Caetano e Jorge Mautner cantando que tanto fazia gostar de coelho ou de coelha. Hoje mostro "Oi" a meus amigos clubbers, e eles não conseguem ouvir, o ouvido fechou."
Ela diz que procurou vários compositores propondo parcerias para "Oi". O único que respondeu seus e-mails foi Tom Zé, hoje autor da letra de "Duelo". "Ele me disse: "Tudo que você faz é bom, confio em você". Revigorou-me dez anos", emociona-se.
A prioridade, hoje, é fazer "Oi" chegar a pessoas que nunca consumiram sua música. "Mas é sem ilusão. Não quero fazer música para meu ego." Outros planos são continuar a sonorizar para TV e voltar ao universo de música e educação. "Estou morrendo de saudade das minhas crianças."


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