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CINEMA
Festival italiano acena à indústria hollywoodiana com prêmios, enquanto discute alternativas para a sua ampliação
Veneza se divide entre o autor e o mercado
SILVANA ARANTES
ENVIADA ESPECIAL A VENEZA
O presidente do júri do 62º Festival de Veneza, o diretor de arte
italiano Dante Ferretti, se viu empurrado para as cordas após o
anúncio da premiação, na noite
do último sábado.
"O Leão Especial que o júri
criou para [a atriz francesa] Isabelle Huppert é sinal que houve
compromisso para dar o prêmio
de melhor atriz à italiana Giovanna Mezzogiorno?", perguntou
uma jornalista italiana, na entrevista coletiva realizada após a entrega dos troféus.
Huppert era apontada como favorita pela crítica, por seu desempenho em "Gabrielle", do francês
Patrice Chéreau. Usando a prerrogativa de conceder prêmios
além dos previstos, o júri conferiu
a Huppert um Leão Especial, "por
sua extraordinária contribuição
ao cinema".
O troféu de melhor atriz para
Mezzogiorno foi o único arrebatado em Veneza por um filme italiano -"La Bestia nel Cuore" (a
besta no coração), de Cristina Comencini.
Os donos da casa tiveram três
longas entre os 20 concorrentes
ao Leão de Ouro. No avaliação da
crítica internacional, nenhum
merecedor de prêmios.
Foi um Ferretti ligeiramente titubeante quem respondeu à provocação da jornalista sobre o
"compromisso" com vencedores
dizendo que o júri tomou suas decisões livre de pressões. Não era a
versão que se ouvia nos bastidores do festival.
O dedo que supostamente tentava influenciar programação e
resultados é de David Croff, presidente da Biennale de Veneza, instituição que promove os grandes
eventos culturais da cidade, incluindo a mostra de cinema.
Atritos
Foram intensos os boatos de
que, à medida que a mostra avançava, cresciam também os atritos
entre Croff e Marco Müller, diretor do festival.
"Fui eu que o escolhi", disse
Croff, negando as divergências. Se
em Veneza Croff e Müller estão
ou não jogando o mesmo jogo é
difícil afirmar. Mas não há dúvidas de que o festival atravessa um
impasse.
Instalado desde a década de 30
no mesmo complexo -do Palazzo del Cinema-, o evento ficou
pequeno com o tempo. Não há telas suficientes para exibição de
maior número de filmes (foram
54 neste ano) nem espaço para expandir o mercado de filmes, paralelo à competição.
E essa não é uma questão menor. A construção de um milionário novo Palazzo é considerada
por Müller essencial para a sobrevivência do festival.
Menos atraente para produtores e distribuidores fecharem seus
negócios, Veneza vem se distanciando de Cannes, o chefe da fila
dos grandes festivais, e assiste
com inquietação à ascensão dos
mais "novos", como o Festival Internacional de Toronto (Canadá),
em sua 30ª edição.
Mercado
"Fui muito insultado porque
não paro de falar em mercado.
Mas esta é a chave: um festival
tem de procurar dar aos seus filmes um valor mercadológico",
disse Müller ao jornal francês "Le
Monde".
Quando o tema é valor mercadológico do cinema, Hollywood é
a referência. Qual é a distância regulamentar que um festival orgulhoso de seu perfil pluralista deve
manter de Hollywood é outro
ponto em discussão.
A questão se complica ainda
mais quando se sabe que Veneza
espera o investimento de outros
países na construção do novo Palazzo del Cinema.
"Acusaram-me de vender o festival aos americanos", disse Müller ao "Monde". "Sim, o cinema
americano ocupa mais espaço [na
mostra, desde que ele assumiu, no
ano passado], porque acho importante manter um diálogo com
estes parceiros."
Depois de afirmar que, no entanto, é preciso ser vigilante com a
quantidade de concessões a fazer,
Müller disse: "Não vou tergiversar: para ter certos filmes, é preciso pagar o preço. É assim em todo
lugar".
Pêndulo
O júri comandado por Ferretti
-ele mesmo um "vencedor do
Oscar [por "O Aviador", de Martin Scorsese]", como lembrou o
mestre de cerimônias do encerramento do festival- deparou-se
com uma seleção que faz jus ao
pêndulo da mostra entre o cinema de autor europeu e asiático e
uma produção em língua inglesa
para potenciais grandes mercados.
São do primeiro time os franceses Philippe Garrel ("Les Amants
Réguliers", os amantes regulares)
e Laurent Cantet ("Vers le Sud",
para o sul); o português Manoel
de Oliveira ("O Espelho Mágico");
o japonês Takeshi Kitano ("Takeshi's") e o coreano Park Chan-wook, por exemplo.
Do outro lado, alinham-se os
norte-americanos George Clooney ("Good Night and Good
Luck", boa noite e boa sorte),
Terry Gilliam ("The Brothers
Grimm", os irmãos Grimm), John
Turturro ("Romance & Cigarettes", romance e cigarros), o taiwanês radicado nos EUA Ang Lee
("Brokeback Mountain", montanha Brokeback) e o brasileiro Fernando Meirelles, assinando a direção da produção inglesa "O Jardineiro Fiel".
Somados os votos, Lee ficou
com o Leão de Ouro, e o filme de
Clooney levou dois prêmios: roteiro (Clooney e Grant Heslov) e
ator (David Strathairn).
Garrel, que é considerado um
cineasta radical até pelos franceses, recebeu o troféu de melhor
diretor, e o norte-americano Abel
Ferrara, que não se encaixa bem
no rótulo de diretor hollywoodiano, teve o Prêmio Especial do Júri,
por "Mary".
Se transportado para o dilema
de fundo do Festival de Veneza
(dar ou não as mãos a Hollywood), o veredicto do júri desta
62ª edição parece sugerir um arranjo para a questão -entre o
sim e o não, talvez.
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