São Paulo, segunda-feira, 12 de setembro de 2005

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CINEMA

Festival italiano acena à indústria hollywoodiana com prêmios, enquanto discute alternativas para a sua ampliação

Veneza se divide entre o autor e o mercado

SILVANA ARANTES
ENVIADA ESPECIAL A VENEZA

O presidente do júri do 62º Festival de Veneza, o diretor de arte italiano Dante Ferretti, se viu empurrado para as cordas após o anúncio da premiação, na noite do último sábado.
"O Leão Especial que o júri criou para [a atriz francesa] Isabelle Huppert é sinal que houve compromisso para dar o prêmio de melhor atriz à italiana Giovanna Mezzogiorno?", perguntou uma jornalista italiana, na entrevista coletiva realizada após a entrega dos troféus.
Huppert era apontada como favorita pela crítica, por seu desempenho em "Gabrielle", do francês Patrice Chéreau. Usando a prerrogativa de conceder prêmios além dos previstos, o júri conferiu a Huppert um Leão Especial, "por sua extraordinária contribuição ao cinema".
O troféu de melhor atriz para Mezzogiorno foi o único arrebatado em Veneza por um filme italiano -"La Bestia nel Cuore" (a besta no coração), de Cristina Comencini.
Os donos da casa tiveram três longas entre os 20 concorrentes ao Leão de Ouro. No avaliação da crítica internacional, nenhum merecedor de prêmios.
Foi um Ferretti ligeiramente titubeante quem respondeu à provocação da jornalista sobre o "compromisso" com vencedores dizendo que o júri tomou suas decisões livre de pressões. Não era a versão que se ouvia nos bastidores do festival.
O dedo que supostamente tentava influenciar programação e resultados é de David Croff, presidente da Biennale de Veneza, instituição que promove os grandes eventos culturais da cidade, incluindo a mostra de cinema.

Atritos
Foram intensos os boatos de que, à medida que a mostra avançava, cresciam também os atritos entre Croff e Marco Müller, diretor do festival.
"Fui eu que o escolhi", disse Croff, negando as divergências. Se em Veneza Croff e Müller estão ou não jogando o mesmo jogo é difícil afirmar. Mas não há dúvidas de que o festival atravessa um impasse.
Instalado desde a década de 30 no mesmo complexo -do Palazzo del Cinema-, o evento ficou pequeno com o tempo. Não há telas suficientes para exibição de maior número de filmes (foram 54 neste ano) nem espaço para expandir o mercado de filmes, paralelo à competição.
E essa não é uma questão menor. A construção de um milionário novo Palazzo é considerada por Müller essencial para a sobrevivência do festival.
Menos atraente para produtores e distribuidores fecharem seus negócios, Veneza vem se distanciando de Cannes, o chefe da fila dos grandes festivais, e assiste com inquietação à ascensão dos mais "novos", como o Festival Internacional de Toronto (Canadá), em sua 30ª edição.

Mercado
"Fui muito insultado porque não paro de falar em mercado. Mas esta é a chave: um festival tem de procurar dar aos seus filmes um valor mercadológico", disse Müller ao jornal francês "Le Monde".
Quando o tema é valor mercadológico do cinema, Hollywood é a referência. Qual é a distância regulamentar que um festival orgulhoso de seu perfil pluralista deve manter de Hollywood é outro ponto em discussão.
A questão se complica ainda mais quando se sabe que Veneza espera o investimento de outros países na construção do novo Palazzo del Cinema.
"Acusaram-me de vender o festival aos americanos", disse Müller ao "Monde". "Sim, o cinema americano ocupa mais espaço [na mostra, desde que ele assumiu, no ano passado], porque acho importante manter um diálogo com estes parceiros."
Depois de afirmar que, no entanto, é preciso ser vigilante com a quantidade de concessões a fazer, Müller disse: "Não vou tergiversar: para ter certos filmes, é preciso pagar o preço. É assim em todo lugar".

Pêndulo
O júri comandado por Ferretti -ele mesmo um "vencedor do Oscar [por "O Aviador", de Martin Scorsese]", como lembrou o mestre de cerimônias do encerramento do festival- deparou-se com uma seleção que faz jus ao pêndulo da mostra entre o cinema de autor europeu e asiático e uma produção em língua inglesa para potenciais grandes mercados.
São do primeiro time os franceses Philippe Garrel ("Les Amants Réguliers", os amantes regulares) e Laurent Cantet ("Vers le Sud", para o sul); o português Manoel de Oliveira ("O Espelho Mágico"); o japonês Takeshi Kitano ("Takeshi's") e o coreano Park Chan-wook, por exemplo.
Do outro lado, alinham-se os norte-americanos George Clooney ("Good Night and Good Luck", boa noite e boa sorte), Terry Gilliam ("The Brothers Grimm", os irmãos Grimm), John Turturro ("Romance & Cigarettes", romance e cigarros), o taiwanês radicado nos EUA Ang Lee ("Brokeback Mountain", montanha Brokeback) e o brasileiro Fernando Meirelles, assinando a direção da produção inglesa "O Jardineiro Fiel".
Somados os votos, Lee ficou com o Leão de Ouro, e o filme de Clooney levou dois prêmios: roteiro (Clooney e Grant Heslov) e ator (David Strathairn).
Garrel, que é considerado um cineasta radical até pelos franceses, recebeu o troféu de melhor diretor, e o norte-americano Abel Ferrara, que não se encaixa bem no rótulo de diretor hollywoodiano, teve o Prêmio Especial do Júri, por "Mary".
Se transportado para o dilema de fundo do Festival de Veneza (dar ou não as mãos a Hollywood), o veredicto do júri desta 62ª edição parece sugerir um arranjo para a questão -entre o sim e o não, talvez.

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