São Paulo, segunda-feira, 12 de setembro de 2005

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LITERATURA

Evento múltiplo no Instituto Cervantes conta com simpósio internacional, exposição, recital e ciclo de filmes

"Dom Quixote" chega aos 400 com pompa, discussões e artes

JULIÁN FUKS
DA REPORTAGEM LOCAL

Encolha-se na cadeira, levante um pouco o jornal, volte timidamente o olhar para baixo. Esconda o rubor da possível triste figura o leitor que não souber que, neste ano de 2005, completam-se 400 anos desde a publicação da primeira edição de "Dom Quixote", a obra-prima do espanhol Miguel de Cervantes. Certamente não é demais dizer que tal leitor não tem dado a atenção devida aos jornais, às livrarias, aos festivais, como não é exagero dizer que nunca se falou tanto na obra ou em seu tão respeitável autor.
Agora, se 2005 já tem sido alcunhado de ano de "Dom Quixote", não é difícil definir setembro como ápice desse ano, ou ao menos como momento em que ele atinge sua intensidade máxima. Para isso, começa amanhã e vai até o próximo dia 30 um evento múltiplo, organizado em parceria entre o Instituto Cervantes e a Universidade de São Paulo, que conta com um simpósio internacional, uma exposição, um ciclo de filmes, um recital de músicas do século 17 e o lançamento do catálogo digital da biblioteca cervantina Públio Dias.
Todos reunidos sob o longo, mas pouco abrangente título de "3ª Mostra Cervantes: Re-visões do Século 21 - 4º Centenário da Edição de "Dom Quixote'", evento que ocorre no próprio Instituto.
Na programação do simpósio, especialistas de aquém e de além mar, com trabalhos novos e velhos, vindos de universidades italianas, espanholas, mexicanas, uruguaias e tantas outras. Reunidos aqui para demonstrar mais uma vez -como sem dúvida poderá discursar algum dos apresentadores- que Cervantes vive e que ainda há muito para se dizer sobre sua obra. Muito do que nunca tenha sido dito anteriormente? Isso sim, diante da vasta bibliografia sobre Cervantes, seria arriscado afirmar. Mas, ao menos, muito do que seja prazenteiro repetir e ouvir.
"Não posso negar que, com a aparição de tantos trabalhos novos como se tem visto ultimamente, as repetições de análise e de crítica acontecem, mas o importante é que se cria um momento de reflexão sobre a obra", diz a professora da USP Maria Augusta da Costa Vieira, especialista em Quixote e organizadora do simpósio. De qualquer forma, trata-se de uma "obra inesgotável", nas palavras dela mesma. E que seus mais de 700 personagens, "cada um quase que constituindo uma nova narrativa", não a deixem mentir.
Senão como novidade do evento, ao menos da tendência atual, Vieira destaca a preocupação que tem havido em olhar para os Quixotes existentes em cada uma das literaturas nacionais, num trabalho sério de comparação resultante de uma tradição de quatro séculos de leituras e que constitui uma das duas vertentes principais do simpósio. A outra, o reconhecimento e a análise dos referenciais estritamente cervantinos, de seu tempo e do modo como nele se inseriu a obra.
É nessa dualidade, nessa e em algumas outras, que o também professor da USP João Adolfo Hansen, responsável pela palestra de encerramento do encontro, situa o que há de mais interessante em Quixote: "Ele é antigo e moderno, louco e não-louco, racional e irracional". De resto, tem explicação mais amarga para a intensa retomada de Cervantes: "Se há hoje tal curiosidade pelo passado, é para que possamos enterrar mais rapidamente o presente, esta aniquilação cultural de massa que temos vivido".

Extras
Um debate interessante, sem dúvida, mas convém não esquecer as demais atividades. A exposição "Quixote: Fronteira Digital" conta com obras do artista Ariel Artigas Severino, uruguaio radicado em São Paulo e um dos pioneiros da arte digital no país. O ciclo de filmes "Quixote", por sua vez, ocorre entre os dias 19 e 23, sempre às 17h, e tem versões cinematográficas da obra em questão, com destaque para o "Don Quijote de Orson Welles", no dia 20.
No mesmo dia ocorre o recital, que traz composições do século 17 interpretadas pelo "Duo Glossas", formado por David Castelo e Rose Müller. Por fim, o lançamento do catálogo digital, que abriga a única coleção de Quixotes ilustrados no mundo e tem cerca de 600 volumes, ocorre no dia 30, às 19h.

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