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LITERATURA
Evento múltiplo no Instituto Cervantes conta com simpósio internacional, exposição, recital e ciclo de filmes
"Dom Quixote" chega aos 400 com pompa, discussões e artes
JULIÁN FUKS
DA REPORTAGEM LOCAL
Encolha-se na cadeira, levante
um pouco o jornal, volte timidamente o olhar para baixo. Esconda o rubor da possível triste figura
o leitor que não souber que, neste
ano de 2005, completam-se 400
anos desde a publicação da primeira edição de "Dom Quixote",
a obra-prima do espanhol Miguel
de Cervantes. Certamente não é
demais dizer que tal leitor não
tem dado a atenção devida aos
jornais, às livrarias, aos festivais,
como não é exagero dizer que
nunca se falou tanto na obra ou
em seu tão respeitável autor.
Agora, se 2005 já tem sido alcunhado de ano de "Dom Quixote",
não é difícil definir setembro como ápice desse ano, ou ao menos
como momento em que ele atinge
sua intensidade máxima. Para isso, começa amanhã e vai até o
próximo dia 30 um evento múltiplo, organizado em parceria entre
o Instituto Cervantes e a Universidade de São Paulo, que conta com
um simpósio internacional, uma
exposição, um ciclo de filmes, um
recital de músicas do século 17 e o
lançamento do catálogo digital da
biblioteca cervantina Públio Dias.
Todos reunidos sob o longo,
mas pouco abrangente título de
"3ª Mostra Cervantes: Re-visões
do Século 21 - 4º Centenário da
Edição de "Dom Quixote'", evento
que ocorre no próprio Instituto.
Na programação do simpósio,
especialistas de aquém e de além
mar, com trabalhos novos e velhos, vindos de universidades italianas, espanholas, mexicanas,
uruguaias e tantas outras. Reunidos aqui para demonstrar mais
uma vez -como sem dúvida poderá discursar algum dos apresentadores- que Cervantes vive
e que ainda há muito para se dizer
sobre sua obra. Muito do que
nunca tenha sido dito anteriormente? Isso sim, diante da vasta
bibliografia sobre Cervantes, seria
arriscado afirmar. Mas, ao menos,
muito do que seja prazenteiro repetir e ouvir.
"Não posso negar que, com a
aparição de tantos trabalhos novos como se tem visto ultimamente, as repetições de análise e
de crítica acontecem, mas o importante é que se cria um momento de reflexão sobre a obra",
diz a professora da USP Maria
Augusta da Costa Vieira, especialista em Quixote e organizadora
do simpósio. De qualquer forma,
trata-se de uma "obra inesgotável", nas palavras dela mesma. E
que seus mais de 700 personagens, "cada um quase que constituindo uma nova narrativa", não
a deixem mentir.
Senão como novidade do evento, ao menos da tendência atual,
Vieira destaca a preocupação que
tem havido em olhar para os Quixotes existentes em cada uma das
literaturas nacionais, num trabalho sério de comparação resultante de uma tradição de quatro séculos de leituras e que constitui
uma das duas vertentes principais
do simpósio. A outra, o reconhecimento e a análise dos referenciais estritamente cervantinos, de
seu tempo e do modo como nele
se inseriu a obra.
É nessa dualidade, nessa e em
algumas outras, que o também
professor da USP João Adolfo
Hansen, responsável pela palestra
de encerramento do encontro, situa o que há de mais interessante
em Quixote: "Ele é antigo e moderno, louco e não-louco, racional e irracional". De resto, tem explicação mais amarga para a intensa retomada de Cervantes: "Se
há hoje tal curiosidade pelo passado, é para que possamos enterrar
mais rapidamente o presente, esta
aniquilação cultural de massa que
temos vivido".
Extras
Um debate interessante, sem
dúvida, mas convém não esquecer as demais atividades. A exposição "Quixote: Fronteira Digital"
conta com obras do artista Ariel
Artigas Severino, uruguaio radicado em São Paulo e um dos pioneiros da arte digital no país. O ciclo de filmes "Quixote", por sua
vez, ocorre entre os dias 19 e 23,
sempre às 17h, e tem versões cinematográficas da obra em questão,
com destaque para o "Don Quijote de Orson Welles", no dia 20.
No mesmo dia ocorre o recital,
que traz composições do século 17
interpretadas pelo "Duo Glossas",
formado por David Castelo e Rose Müller. Por fim, o lançamento
do catálogo digital, que abriga a
única coleção de Quixotes ilustrados no mundo e tem cerca de 600
volumes, ocorre no dia 30, às 19h.
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