São Paulo, Sexta-feira, 12 de Novembro de 1999
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GASTRONOMIA
"Bar à vins" são oásis no meio dos turistas

Arthur Nestrovski/Folha Imagem
O Le Relais Chablisien fica à margem direita do Sena; decorado como uma taverna, ele oferece pratos clássicos


ARTHUR NESTROVSKI
em Paris

Um turista em Paris praticamente esbarra em grandes restaurantes. Para não esbarrar nos turistas, os parisienses têm a opção de almoçar num "bar à vin" (bar de vinho). Despretensiosos, com boa comida e ótimos vinhos, são um refúgio também para os turistas mais avisados, que ali têm a chance de se sentir, por uma hora que seja, vivendo na cidade em que todo mundo gostaria de viver.
Não há definição precisa para um "bar à vin". Eles são menores do que um bistrô, servem comida do interior da França e uma seleção de vinhos em taça. Um "bar à vin" é um lugar para se comer uma salada, um sanduíche ou uma omelete, no meio do dia, acompanhados de um cálice de Bordeaux, que os bares geralmente obtêm diretamente dos produtores.

História
No meio de Paris fica a Ile de la Cité; no meio da Ile de la Cité fica o Palácio da Justiça; atrás do Palácio da Justiça fica a Place Dauphine e, no meio da Place Dauphine, fica o Bar du Caveau, um dos melhores "bar à vins" da cidade. A praça é linda e calma, prestigiada por juízes, bebês, aposentados e cães (que também apreciam o Caveau). Perto de tudo e longe do mundo, é uma escolha perfeita para quem precisa parar um pouco.
No Bar du Caveau pode-se pedir uma salada de "chèvre chaud", ou um "croque monsieur" (torrada com queijo gratinado). Uma taça de Château la Caze Bellevue sai por 25 francos (R$ 7,50).
Passando à margem direita do rio Sena, numa travessa do Quai de la Mégisserie, lugar em que passarinhos e flores são vendidos, fica Le Relais Chablisien (4, rue Bertin Poirée).
Decorado como taverna, Le Relais é um "bar à vin" com direito a pratos mais sérios. O "vin au vin" é uma pedida clássica. Espíritos livres podem se aventurar no "fricassée d'escargots" ou na "poelée de rognon de veau" (fritada de rins de vitelo).
A alegria da proprietária, Claudine Faure, contagia o único garçom -os dois parecem dedicados a desmentir a caricatura do mau humor parisiense.
Para beber, uma taça de Crozes-Hermitage (um dos melhores tintos do Ródano) ou de Gigondas, um vinho intenso e apimentado, bom para quem está em Paris para passear -ou namorar.
Foi no século 19 que surgiram os primeiros "bar à vins" na capital. Imigrantes do Auvergne vinham para Paris trabalhar como vendedores de lenha e carvão. As mulheres tradicionalmente preparavam comida à moda da montanha e vendiam vinho. A tradição continua viva nesses "bar à vins", seja num prédio de vigas escuras do século 17, como Le Relais
Chablisien, ou numa multissala moderna de cinema, como o Rendez-Vous des Quais (10, Quai de Seine), onde a carta de vinhos fica por conta do diretor Claude Chabrol.
Sem essa comida do interior da França, é como se toda a culinária francesa ficasse sem centro. Aqui, como nos melhores "bouillons" (restaurantes simples), pode-se escutar o dó maior da gastronomia, tão improvável e forte, agora, como na música. Aqui, talvez, mais até do que nos refinamentos maravilhosos da culinária de luxo, preserva-se uma idéia de civilidade e convívio que a França cultua como nenhum outro país.
Que tanta cultura e tanta história se cruzem numa simples quiche com salada pode parecer exagero. Mas é justamente a integração das coisas que o turista tem o privilégio de perceber -no caso, de degustar. Viajar não é isso?


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