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São Paulo, quarta-feira, 12 de novembro de 2003

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ABERTA A TEMPORADA DE CAÇA

Crítico diz que criar história foi mais prazeroso e libertário do que escrever ensaios

Busca de "sentido à vida" levou Davi Arrigucci à ficção

DA REPORTAGEM LOCAL

Leia a seguir trechos de entrevista com Davi Arrigucci Jr., sobre o livro "Ugolino e a Perdiz".
(CASSIANO ELEK MACHADO)
 

Folha - Em uma entrevista em 1997, o sr. disse que no início de seus estudos queria ser escritor. Por que é que o sr. só foi tirar esse projeto da gaveta 40 anos depois?
Davi Arrigucci Jr. -
Comecei escrevendo uns contos, quando adolescente, em São João da Boa Vista. Fiz vários, mas não sabia escrever. Quando entrei na faculdade, descobri a teoria literária e Antonio Candido. Comecei a escrever ensaios e nunca mais fiz ficção. Há três anos, quando meu pai adoeceu e morreu, me deu vontade de escrever para valer, sobretudo as histórias para as quais ele, médico de família, fora intercessor. Achei que contar essas coisas me dariam um sentido à vida, agora no fim. Aí fiz o conto "Viagem". O pessoal gostou. Disseram que tinha um mundo ali. Comecei então a desfiar o mundo.

Folha - O sr. fala muito da dificuldade de escrever ensaios. Como foi o desafio de produzir ficção?
Arrigucci -
Foi muito mais fácil e libertário do que imaginava. Senti um prazer que não sentia no ensaio. O meu ensaio, embora narrativo, depende de um movimento de identificação com o objeto. Tenho de descrever o objeto para tirar a regra dele. Isso custa. Você precisa dominar o assunto de todo lado para dizer algo. Na ficção não. É uma liberdade tremenda: se escrevo para cá, vai para cá, se escrevo para lá, vai para lá.

Folha - O sr. abre o livro com uma citação de Dante e batiza de Ugolino, personagem imortalizado na "Divina Comédia", o protagonista de seu trabalho. O sr. enxerga algo de dantesco em seu livro?
Arrigucci -
Há muito Dante disseminado aí. É um personagem que tem antecedentes trágicos na origem, mas que aqui é tratado no mundo da astúcia dos homens. Quis explorar as possibilidades poético-simbólicas, lírico-épicas dessa historinha. A caçada é uma coisa épica por excelência, é o fundamento da narrativa. Hitchcock dizia que os filmes poderiam ser sempre reduzidos a uma caçada. Até Hamlet. Agora uma caçada em que o objeto some é diferente. Tem uma idéia aí de passar do fogo para o ar, uma transformação, e isso me exprimia de uma forma.

Folha - Vários autores que o sr. analisou tinham uma relação forte com o humor, como Cortázar e Bandeira. Seu trabalho também flerta com o cômico. Qual a importância do riso para a literatura?
Arrigucci -
Usei um tratamento meio farsesco, sobretudo por que é uma caçada que não vai dar certo. É uma história meio bocacciana. Nesse sentido, o humor é muito revelador. Dá o lugar do humano. O personagem não é mito. Não é o trágico nem o sublime. Tem de ficar no lugar do homem.

Folha - Existem muitos críticos que levam a ficção em paralelo. No Brasil temos Silviano Santiago ou Modesto Carone. Fora, há Umberto Eco, Claudio Magris, Philippe Sollers. No seu caso, depois de um longo caminho como crítico é que veio a ficção. Qual a sensação de pular para o lado de lá?
Arrigucci -
No começo, quando pensei em escrever não sabia como. Agora sei um pouco, de tanto desmontar quebra-cabeças dos outros. Não sei agora no que isso vai dar. Estou tendo prazer nisso, então vou arriscar na ficção.

Folha - A partir dessa experiência na ficção o sr. mudará como crítico?
Arrigucci -
Não creio. As exigências que tinha eu tento fazer. Pode ser que não tenha a capacidade de fazer, mas os outros é que dirão.


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