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ABERTA A TEMPORADA DE CAÇA
Crítico diz que criar história foi mais prazeroso e libertário do que escrever ensaios
Busca de "sentido à vida" levou Davi Arrigucci à ficção
DA REPORTAGEM LOCAL
Leia a seguir trechos de entrevista com Davi Arrigucci Jr., sobre
o livro "Ugolino e a Perdiz".
(CASSIANO ELEK MACHADO)
Folha - Em uma entrevista em
1997, o sr. disse que no início de
seus estudos queria ser escritor.
Por que é que o sr. só foi tirar esse
projeto da gaveta 40 anos depois?
Davi Arrigucci Jr. - Comecei escrevendo uns contos, quando
adolescente, em São João da Boa
Vista. Fiz vários, mas não sabia escrever. Quando entrei na faculdade, descobri a teoria literária e Antonio Candido. Comecei a escrever ensaios e nunca mais fiz ficção. Há três anos, quando meu
pai adoeceu e morreu, me deu
vontade de escrever para valer,
sobretudo as histórias para as
quais ele, médico de família, fora
intercessor. Achei que contar essas coisas me dariam um sentido
à vida, agora no fim. Aí fiz o conto
"Viagem". O pessoal gostou. Disseram que tinha um mundo ali.
Comecei então a desfiar o mundo.
Folha - O sr. fala muito da dificuldade de escrever ensaios. Como foi
o desafio de produzir ficção?
Arrigucci - Foi muito mais fácil e
libertário do que imaginava. Senti
um prazer que não sentia no ensaio. O meu ensaio, embora narrativo, depende de um movimento de identificação com o objeto.
Tenho de descrever o objeto para
tirar a regra dele. Isso custa. Você
precisa dominar o assunto de todo lado para dizer algo. Na ficção
não. É uma liberdade tremenda:
se escrevo para cá, vai para cá, se
escrevo para lá, vai para lá.
Folha - O sr. abre o livro com uma
citação de Dante e batiza de Ugolino, personagem imortalizado na
"Divina Comédia", o protagonista
de seu trabalho. O sr. enxerga algo
de dantesco em seu livro?
Arrigucci - Há muito Dante disseminado aí. É um personagem
que tem antecedentes trágicos na
origem, mas que aqui é tratado no
mundo da astúcia dos homens.
Quis explorar as possibilidades
poético-simbólicas, lírico-épicas
dessa historinha. A caçada é uma
coisa épica por excelência, é o fundamento da narrativa. Hitchcock
dizia que os filmes poderiam ser
sempre reduzidos a uma caçada.
Até Hamlet. Agora uma caçada
em que o objeto some é diferente.
Tem uma idéia aí de passar do fogo para o ar, uma transformação,
e isso me exprimia de uma forma.
Folha - Vários autores que o sr.
analisou tinham uma relação forte
com o humor, como Cortázar e Bandeira. Seu trabalho também flerta
com o cômico. Qual a importância
do riso para a literatura?
Arrigucci - Usei um tratamento
meio farsesco, sobretudo por que
é uma caçada que não vai dar certo. É uma história meio bocacciana. Nesse sentido, o humor é muito revelador. Dá o lugar do humano. O personagem não é mito.
Não é o trágico nem o sublime.
Tem de ficar no lugar do homem.
Folha - Existem muitos críticos
que levam a ficção em paralelo. No
Brasil temos Silviano Santiago ou
Modesto Carone. Fora, há Umberto
Eco, Claudio Magris, Philippe Sollers. No seu caso, depois de um
longo caminho como crítico é que
veio a ficção. Qual a sensação de
pular para o lado de lá?
Arrigucci - No começo, quando
pensei em escrever não sabia como. Agora sei um pouco, de tanto
desmontar quebra-cabeças dos
outros. Não sei agora no que isso
vai dar. Estou tendo prazer nisso,
então vou arriscar na ficção.
Folha - A partir dessa experiência
na ficção o sr. mudará como crítico?
Arrigucci - Não creio. As exigências que tinha eu tento fazer. Pode
ser que não tenha a capacidade de
fazer, mas os outros é que dirão.
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