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RESENHA
Theroux inventa Theroux em "Minha Outra Vida'
CECÍLIA SAYAD
da Redação
Paul Theroux
é conhecido como um autor de
livros de viagem. E, ainda
que "Minha Outra Vida", recém-lançado no
Brasil, seja definido por ele como
suas "memórias imaginárias", é
como viajante ou exilado que o escritor se comporta diante da narrativa dos eventos, reais ou inventados, que integram o universo de
sua própria existência.
É bom deixar claro que o romance de cunho autobiográfico até
narra episódios vividos pelo escritor norte-americano na África, em
Cingapura e em Londres (onde
morou por vários anos).
Mas é justamente ao centrar a
narrativa mais em aspectos pessoais do que exteriores, ao tratar
da vida pessoal do autor e não da
descrição de vidas alheias ou paisagens, que Theroux acaba mostrando que a condição de viajante é
antes um estado de espírito.
Mas o que define um viajante?
Aqui, o estranhamento inicial que
pode acompanhar a chegada a um
território desconhecido (geográfico, no caso de um país, ou pessoal,
como quando o narrador trava conhecimento com uma mulher).
É um olhar surpreso (e não necessariamente descontaminado ou
neutro), desbravador, curioso.
Que Theroux certamente desenvolveu à força de tanto viajar pelo
mundo -podendo voltá-lo inclusive a universos que lhe são mais
familiares.
Assim, o estranhamento que lhe
causa uma colônia de leprosos na
África é tão grande como quando
se depara com as ações de um inglês excêntrico.
Mais: a sensação de deslocamento que vive na universidade em que
lecionou em Cingapura, causada
pela amargura de seus colegas, é
comparável à que experimenta em
Medford (próxima a Boston), sua
cidade natal, à qual retorna depois
de anos de ausência, e onde entra
em contato com um bando de adolescentes que só pensam em fumar
e beber e nunca ouviram falar no
autor, para sua surpresa.
É isso o que define um escritor: a
inadequação que o leva ao distanciamento necessário a quem se
pretende um observador do mundo. Como se o exílio, geográfico ou
emocional, fosse fundamental para a profissão.
É o deslocamento com relação a
sua própria pessoa, no entanto, o
ápice dessa sensação que permeia
o romance. Ele acontece, no livro,
em momentos em que Theroux esconde sua verdadeira identidade.
O primeiro é quando o autor conhece uma moça que não parece se
interessar por sua pessoa, mas se
revela fã incondicional de Paul
Theroux, que nem desconfia ser
ele. O segundo é quando a psicanalista que procura logo após separar-se de sua mulher lhe recomenda os livros do "tal escritor", que,
segundo ela, tem uma visão bem
interessante sobre o casamento.
A contrapartida para essa sensação de inadequação é a busca de
um espelho ou de alguém em
quem projetar um destino, um futuro imaginário. Essa ânsia leva o
narrador a buscar o ex-marido de
uma amante que teve. Theroux
procura na vida do outro a resposta para o que teria sido a sua própria caso tivesse casado com a
amante.
Em outras palavras, o autor acaba se inventando como personagem. Vale citar que "Minha Outra
Vida" é uma espécie de resposta ao
romance "My Secret Story" (Minha História Secreta), do qual se
dizia conter fatos autobiográficos.
O autor, então, decidiu escrever
um livro supostamente autobiográfico em que misturaria ficção e
realidade.
O resultado é uma narrativa tão
envolvente que a questão da veracidade dos eventos fica irrelevante
-trata-se de boa literatura e basta.
Para Theroux, a verdade está
mais na invenção do que na comprovação dos fatos. Como ele próprio resume no romance, "o homem é ficção, a máscara é real".
˛
Livro: Minha Outra Vida
Autor: Paul Theroux
Lançamento: Record
Quanto: R$ 39 (486 págs.)
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