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...McEwan responde
da Reportagem Local
Leia a seguir o primeiro texto
inédito de Ian McEwan depois
de ganhar em outubro o Booker Prize, prêmio literário mais
prestigiado da Europa depois
do Nobel.
IAN MCEWAN
especial para a Folha
Não há o que não possa ser
contado, porque a engenhosidade humana e a força da metáfora não têm limite.
Preservar o incompreensível
compete às religiões; o que
compete à literatura e também,
de outro modo, à ciência, é iluminar. Chegar ao entendimento de um evento é chegar à verdade, e a verdade não trai nada.
O escritor que é verdadeiro
consigo mesmo não trai nada.
Ninguém duvida que as palavras são símbolos, mas o entendimento transmitido por elas
tem a própria imediatice da
percepção, porque a linguagem
é um modo de transmitir o
pensamento de uma mente a
outra. Conhecimento adiado é
conhecimento perdido, porque
a verdade existe num presente
perpétuo.
A arte construiu seu templo
na encruzilhada entre o imaginário e o real. Não se pode ser
testemunha de um evento sem
alterá-lo. É essa a glória da literatura, como da mecânica
quântica. A verdade, no entanto, não se altera; ela sim pode
nos transformar. Exige-se que
o artista seja testemunha de si.
Resistir altivamente à sedução
da narrativa é uma das tragédias da literatura modernista.
Para escapar da beleza só é
preciso escrever mal, o que é
muito fácil.
Não existe literatura sem artesanato, só divagação grosseira. Escreva-se, sim, isso tudo
com palavras e exultando em
nossos talentos!
Como escrever? Lembrando
o conselho de Joyce: silêncio,
exílio e astúcia.
Não há conhecimento sem
pensamento. Não se deixe deslumbrar pelos mistérios. Não
há por que idolatrá-los. Melhor
resolvê-los! O artista não respeita limites da representação.
Abaixo os escrúpulos! Narrativa e testemunho se fundem no
ato da imaginação como ar que
entra nos pulmões. Mas história e leitura não deveriam jamais se confundir: alguma coisa aconteceu. E nós sabemos!
Os limites da metáfora são os
limites do mundo. Toda primeira impressão torna-se imediatamente uma memória;
prova-se aí o gosto amargo da
mortalidade e, portanto, a necessidade da arte.
Estar presente à própria vida,
habitá-la por completo no presente: são momentos raros e
preciosos, dádivas da inspiração e do amor. O amor, na verdade por uma mulher, um homem, uma criança, é o que
planta a experiência no real.
Descrever o amor, sem sentimentalismo nem cinismo, é a
tarefa mais difícil da literatura.
Preservar a literalidade do
evento? Pense em Conrad. Basta enxergar! Fazer o leitor enxergar! Um dia, quem sabe, a
psicologia será uma ciência
real, e poderemos ver as origens evolutivas da ética.
Há uma distância a ser preservada entre narrador e autor,
a fonte da ironia. Poesia, como
se diz, é o que se perde em tradução. Mas não acredite nisso.
Nossa tendência é exagerar as
diferenças. Nossos cérebros
são biologicamente similares,
afinal. O tradutor é um mágico
desmontando Babel. Não se desespere, Nestrovski. Não vá
embora!
˛
Tradução de
Arthur Nestrovski
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