São Paulo, quinta-feira, 13 de janeiro de 2005

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TELEVISÃO

"Dia de Maria" respeita inteligência do público e dignidade do ator

SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

A melhor televisão, veja só, se parece com o teatro. Com seu cenário pintado e o cuidado com seu texto, "Hoje É Dia de Maria" remete ao pioneiro Grande Teatro Tupi de Sérgio Brito, na década de 50, ou às adaptações de Antunes Filho para a TV Cultura nos anos 70.
De lá para cá, o desenvolvimento técnico garantiu uma visibilidade mundial para a TV Globo, mas a produção em escala industrial prendeu o ator em uma vitrine instantânea, lhe oferecendo a fama em proporção inversa às condições para aprofundar seu trabalho. Sem tempo de ensaio, em novelas diluídas por meses em irrelevâncias e mesquinharias, nos últimos tempos um ator de TV só podia se destacar na mídia por sua habilidade em reciclar clichês ou tirando a camiseta.
Por isso é quase um milagre ver renascer, poucos minutos depois do fundo do poço que é o "Big Brother", uma minissérie que respeita a inteligência do público e a dignidade do ator. Talvez nos capítulos a vir alguns pequenos defeitos possam se acentuar, como um certo rebuscamento formal, ou uma dificuldade para entender o texto. Mas o corajoso abandono do naturalismo, com sólidas referências em Villa-Lobos, Portinari, Sílvio Romero e Câmara Cascudo, revela um projeto de vida.
Luiz Fernando Carvalho teve que esperar mais de dez anos e perder o roteirista Carlos Alberto Soffredini, mas, tendo em Luís Alberto de Abreu um sucessor à altura, agora tem condições ideais para comandar atores criadores, capazes de dar conta do desafio.
Assim, já no primeiro capítulo, a Globo finalmente usa plenamente o enorme talento de Osmar Prado e Fernanda Montenegro, em um pacto apaixonante de não ceder à facilidade. Vai buscar uma atriz como Juliana Carneiro da Cunha, que deslumbra a Europa como primeira atriz do Théâtre du Soleil, mas inexplicavelmente é ignorada ainda do grande público. Como se não bastasse, lança na estréia a menina Carolina Oliveira, que combinando espontaneidade e uma desenvoltura técnica invejável, provoca um deslumbramento que remete a Haley Joel Osment, o menino de "A.I. - Inteligência Artificial".
Impondo esse respeito, temas que sempre são tratados com condescendência e ambigüidade, como a pedofilia e o trabalho infantil, surgem ao mesmo tempo com crueza e suavidade: quando uma menina é violentada pelo pai, a única saída digna são os pássaros mágicos do Giramundo.
A erudição do popular, muito além do folclore, ressaltada pela trilha de Tim Rescala e da participação de artistas tradicionais, conduz Maria por um romance de formação que resgata o imaginário brasileiro. Quando uma peça de teatro atinge esse nível de excelência, é uma grata missão para o crítico avisar ao público para ir comprovar o fato. Na TV, que tem o poder de centuplicar as testemunhas, as conseqüências podem ser ainda mais positivas.
É uma data a ser guardada. O grande feito artístico para um ator brasileiro já não é mais hoje ser menosprezado por Hollywood, mas sim ser endossado, com todas as condições a que tem direito, pela televisão brasileira.


Hoje É Dia de Maria
    
Quando: de ter. a sex., às 22h30, na Globo; até 21 de janeiro


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