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TELEVISÃO
"Dia de Maria" respeita inteligência do público e dignidade do ator
SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
A melhor televisão, veja só,
se parece com o teatro. Com
seu cenário pintado e o cuidado
com seu texto, "Hoje É Dia de Maria" remete ao pioneiro Grande
Teatro Tupi de Sérgio Brito, na
década de 50, ou às adaptações de
Antunes Filho para a TV Cultura
nos anos 70.
De lá para cá, o desenvolvimento técnico garantiu uma visibilidade mundial para a TV Globo,
mas a produção em escala industrial prendeu o ator em uma vitrine instantânea, lhe oferecendo a
fama em proporção inversa às
condições para aprofundar seu
trabalho. Sem tempo de ensaio,
em novelas diluídas por meses em
irrelevâncias e mesquinharias,
nos últimos tempos um ator de
TV só podia se destacar na mídia
por sua habilidade em reciclar clichês ou tirando a camiseta.
Por isso é quase um milagre ver
renascer, poucos minutos depois
do fundo do poço que é o "Big
Brother", uma minissérie que respeita a inteligência do público e a
dignidade do ator. Talvez nos capítulos a vir alguns pequenos defeitos possam se acentuar, como
um certo rebuscamento formal,
ou uma dificuldade para entender
o texto. Mas o corajoso abandono
do naturalismo, com sólidas referências em Villa-Lobos, Portinari,
Sílvio Romero e Câmara Cascudo,
revela um projeto de vida.
Luiz Fernando Carvalho teve
que esperar mais de dez anos e
perder o roteirista Carlos Alberto
Soffredini, mas, tendo em Luís Alberto de Abreu um sucessor à altura, agora tem condições ideais
para comandar atores criadores,
capazes de dar conta do desafio.
Assim, já no primeiro capítulo,
a Globo finalmente usa plenamente o enorme talento de Osmar Prado e Fernanda Montenegro, em um pacto apaixonante de
não ceder à facilidade. Vai buscar
uma atriz como Juliana Carneiro
da Cunha, que deslumbra a Europa como primeira atriz do Théâtre du Soleil, mas inexplicavelmente é ignorada ainda do grande
público. Como se não bastasse,
lança na estréia a menina Carolina Oliveira, que combinando espontaneidade e uma desenvoltura técnica invejável, provoca um
deslumbramento que remete a
Haley Joel Osment, o menino de
"A.I. - Inteligência Artificial".
Impondo esse respeito, temas
que sempre são tratados com
condescendência e ambigüidade,
como a pedofilia e o trabalho infantil, surgem ao mesmo tempo
com crueza e suavidade: quando
uma menina é violentada pelo
pai, a única saída digna são os
pássaros mágicos do Giramundo.
A erudição do popular, muito
além do folclore, ressaltada pela
trilha de Tim Rescala e da participação de artistas tradicionais,
conduz Maria por um romance
de formação que resgata o imaginário brasileiro. Quando uma peça de teatro atinge esse nível de
excelência, é uma grata missão
para o crítico avisar ao público
para ir comprovar o fato. Na TV,
que tem o poder de centuplicar as
testemunhas, as conseqüências
podem ser ainda mais positivas.
É uma data a ser guardada. O
grande feito artístico para um ator
brasileiro já não é mais hoje ser
menosprezado por Hollywood,
mas sim ser endossado, com todas as condições a que tem direito, pela televisão brasileira.
Hoje É Dia de Maria
Quando: de ter. a sex., às 22h30, na
Globo; até 21 de janeiro
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