São Paulo, sexta-feira, 13 de janeiro de 2006

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Após sucesso no exterior, estréia no país o documentário francês "A Marcha dos Pingüins"; em entrevista, o diretor, Luc Jacquet, relata os desafios da filmagem

A era do gelo

LEONARDO CRUZ
EDITOR-ASSISTENTE DA ILUSTRADA

Uma pausa no calor senegalesco que castiga o país nestes dias de verão. Após passar pela Europa e pelos EUA, uma frente fria estaciona hoje nos cinemas brasileiros e traz consigo 7.000 pingüins-imperadores. É "A Marcha dos Pingüins", documentário do francês Luc Jacquet que segue a jornada dessas aves pelo continente antártico durante um ano.
Biólogo, fã de David Lynch e Jacques Cousteau, Jacquet, 37, chegou pela primeira vez à estação francesa Dumont d'Urville (sudeste da Antártida) em 1992 e logo se interessou pelos imperadores que vivem na região. Até 2005, quando lançou "A Marcha", ele esteve envolvido em outros quatro filmes sobre pingüins (curtas e médias-metragens). "O ciclo reprodutivo deles é como uma tragédia natural, comparável ao teatro grego. Há a morte, a vida, o amor, o sacrifício. Para mim, foi como uma dádiva da natureza, um roteiro que já veio pronto", contou à Folha o cineasta, ao explicar seu interesse pelos animais.
Foi esse processo, do início da marcha para a procriação até o momento em que os pingüins retornam ao oceano, que Jacquet retratou em seu primeiro documentário de longa-metragem.
Sobre as dificuldades de filmar na Antártida, o diretor disse que o principal desafio é o vento, mais do que o frio e do que tempo ocioso -muitas vezes se passavam dias até que os pingüins fizessem algo novo, que valesse registrar. "No início de setembro, Jérôme [Maison, um dos cinegrafistas] se perdeu no meio de uma nevasca. É muito fácil se perder, porque o vento muda de direção rapidamente, e de repente você está no meio de uma nuvem de neve, sem ver nada, sem direção."
Entretanto, na avaliação de Jacquet, mais complicado do que filmar na Antártida foi obter verba para o documentário, de custo estimado em US$ 8 milhões. "Foram mais de dois anos para convencer um produtor a aceitar o projeto e depois mais um ano para financiá-lo. É difícil arrumar alguém disposto a colocar dinheiro em um filme que mostra apenas pingüins andando. A parceria com a Warner [que lançou o filme nos EUA] surgiu como um sonho, porque a produtora [Bonne Pioche] estava perto da falência."

Força imperial
Agora, "A Marcha" recebe tratamento de "blockbuster" em seu lançamento no Brasil. Com cópias dubladas e legendadas, o filme estréia em 66 salas do país, algo raro para um documentário. Em novembro do ano passado, o lançamento de "O Fim e o Princípio", de Eduardo Coutinho, o maior documentarista brasileiro, se resumiu a um cinema em São Paulo e a dois no Rio de Janeiro.
Só na capital paulista, "A Marcha" chega a 18 salas, enquanto "Soy Cuba - O Mamute Siberiano", vigoroso documentário de Vicente Ferraz, estréia, também hoje, em três cinemas.
É uma aposta na capacidade de atrair espectadores que o imperador e seus filhotes felpudos têm mostrado pelo mundo. Foi recorde de bilheteria para o gênero na França e, com quase US$ 80 milhões arrecadados nos cinemas americanos, tornou-se o segundo documentário mais visto da história dos EUA, atrás apenas de "Fahrenheit 11 de Setembro", de Michael Moore, Palma de Ouro no Festival de Cannes de 2003.
A estratégia de seguir o rastro americano fez com que o título do filme no Brasil fosse alterado de "A Marcha do Imperador", fiel ao original francês, para "A Marcha dos Pingüins", tradução do nome dado nos EUA. A mudança, às pressas, deixou desatualizado o título do livro com dezenas de fotos sobre a produção, que chega às livrarias pelo selo Prestígio Editorial (136 págs., R$ 39,90).
Parte desse sucesso na Bushlândia se deveu à direita cristã. Grupos antiaborto definiram a obra como uma parábola da defesa da vida, e religiosos conservadores viram no documentário de Jacquet uma metáfora da criação divina, um ataque ao evolucionismo, e organizaram caravanas para levar fiéis aos cinemas.
Questionado sobre isso, o diretor não escondeu sua irritação. "Fiquei absolutamente aterrorizado quando soube desse fato. Usar meu filme para fazer proselitismo é desonesto. O que é muito claro para mim é que a teoria criacionista é totalmente ultrapassada, está três séculos atrasada."
Polêmica superada, Jacquet já prepara um novo projeto. Sua entrevista à Folha foi concedida por celular, enquanto caminhava nas ruas de Paris, entre duas reuniões para discutir seu próximo filme. "É sobre uma garotinha que quer domesticar uma raposa. Estou escrevendo ainda. Será uma mistura de ficção e documentário."


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