|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Após sucesso no exterior, estréia no país o documentário francês "A Marcha dos Pingüins"; em entrevista, o diretor, Luc Jacquet, relata os desafios da filmagem
A era do gelo
LEONARDO CRUZ
EDITOR-ASSISTENTE DA ILUSTRADA
Uma pausa no calor senegalesco
que castiga o país nestes dias de
verão. Após passar pela Europa e
pelos EUA, uma frente fria estaciona hoje nos cinemas brasileiros e traz consigo 7.000 pingüins-imperadores. É "A Marcha dos
Pingüins", documentário do
francês Luc Jacquet que segue a
jornada dessas aves pelo continente antártico durante um ano.
Biólogo, fã de David Lynch e
Jacques Cousteau, Jacquet, 37,
chegou pela primeira vez à estação francesa Dumont d'Urville
(sudeste da Antártida) em 1992 e
logo se interessou pelos imperadores que vivem na região. Até
2005, quando lançou "A Marcha",
ele esteve envolvido em outros
quatro filmes sobre pingüins
(curtas e médias-metragens). "O
ciclo reprodutivo deles é como
uma tragédia natural, comparável
ao teatro grego. Há a morte, a vida, o amor, o sacrifício. Para mim,
foi como uma dádiva da natureza,
um roteiro que já veio pronto",
contou à Folha o cineasta, ao explicar seu interesse pelos animais.
Foi esse processo, do início da
marcha para a procriação até o
momento em que os pingüins retornam ao oceano, que Jacquet
retratou em seu primeiro documentário de longa-metragem.
Sobre as dificuldades de filmar
na Antártida, o diretor disse que o
principal desafio é o vento, mais
do que o frio e do que tempo ocioso -muitas vezes se passavam
dias até que os pingüins fizessem
algo novo, que valesse registrar.
"No início de setembro, Jérôme
[Maison, um dos cinegrafistas] se
perdeu no meio de uma nevasca.
É muito fácil se perder, porque o
vento muda de direção rapidamente, e de repente você está no
meio de uma nuvem de neve, sem
ver nada, sem direção."
Entretanto, na avaliação de Jacquet, mais complicado do que filmar na Antártida foi obter verba
para o documentário, de custo estimado em US$ 8 milhões. "Foram mais de dois anos para convencer um produtor a aceitar o
projeto e depois mais um ano para financiá-lo. É difícil arrumar alguém disposto a colocar dinheiro
em um filme que mostra apenas
pingüins andando. A parceria
com a Warner [que lançou o filme
nos EUA] surgiu como um sonho,
porque a produtora [Bonne Pioche] estava perto da falência."
Força imperial
Agora, "A Marcha" recebe tratamento de "blockbuster" em seu
lançamento no Brasil. Com cópias dubladas e legendadas, o filme estréia em 66 salas do país, algo raro para um documentário.
Em novembro do ano passado, o
lançamento de "O Fim e o Princípio", de Eduardo Coutinho, o
maior documentarista brasileiro,
se resumiu a um cinema em São
Paulo e a dois no Rio de Janeiro.
Só na capital paulista, "A Marcha" chega a 18 salas, enquanto
"Soy Cuba - O Mamute Siberiano", vigoroso documentário de
Vicente Ferraz, estréia, também
hoje, em três cinemas.
É uma aposta na capacidade de
atrair espectadores que o imperador e seus filhotes felpudos têm
mostrado pelo mundo. Foi recorde de bilheteria para o gênero na
França e, com quase US$ 80 milhões arrecadados nos cinemas
americanos, tornou-se o segundo
documentário mais visto da história dos EUA, atrás apenas de
"Fahrenheit 11 de Setembro", de
Michael Moore, Palma de Ouro
no Festival de Cannes de 2003.
A estratégia de seguir o rastro
americano fez com que o título do
filme no Brasil fosse alterado de
"A Marcha do Imperador", fiel ao
original francês, para "A Marcha
dos Pingüins", tradução do nome
dado nos EUA. A mudança, às
pressas, deixou desatualizado o título do livro com dezenas de fotos
sobre a produção, que chega às livrarias pelo selo Prestígio Editorial (136 págs., R$ 39,90).
Parte desse sucesso na Bushlândia se deveu à direita cristã. Grupos antiaborto definiram a obra
como uma parábola da defesa da
vida, e religiosos conservadores
viram no documentário de Jacquet uma metáfora da criação divina, um ataque ao evolucionismo, e organizaram caravanas para levar fiéis aos cinemas.
Questionado sobre isso, o diretor não escondeu sua irritação.
"Fiquei absolutamente aterrorizado quando soube desse fato.
Usar meu filme para fazer proselitismo é desonesto. O que é muito
claro para mim é que a teoria criacionista é totalmente ultrapassada, está três séculos atrasada."
Polêmica superada, Jacquet já
prepara um novo projeto. Sua entrevista à Folha foi concedida por
celular, enquanto caminhava nas
ruas de Paris, entre duas reuniões
para discutir seu próximo filme.
"É sobre uma garotinha que quer
domesticar uma raposa. Estou escrevendo ainda. Será uma mistura de ficção e documentário."
Texto Anterior: "Feira das Vaidades": Clássico inglês vira caricatura nas telas Próximo Texto: O ator principal: Imperador foge da costa e busca o frio para procriar Índice
|