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CINEMA/ESTRÉIAS
"O PEQUENO SOLDADO"/ "DETETIVE"
Dois filmes de fases bem distintas da obra do cineasta retornam hoje em SP
Godard encara dúvida política e "luta perdida"
TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA
A irresponsabilidade e
indefinição política de "O
Pequeno Soldado" (1963) é o retrato de uma geração que ainda
não vivera sua "idade da razão",
mas que já se projetava nela. "Até
aqui minha história tem sido simples: a história de um sujeito sem
ideal. E amanhã?", pergunta-se
Godard, no início do filme.
Um filme de direita que flerta
com o romantismo da esquerda:
como explicá-lo aos que se acostumaram a ver em Godard um
ícone da esquerda? Talvez começando pelo "mal de la jeunesse"
(mal da juventude) da geração
nouvelle vague.
Niilista, despolitizada, infantilista, a juventude francesa da
Guerra Fria refugiou-se nos cinemas para não compartilhar, em
casa, do civismo e do moralismo
algo hipócritas dos pais, sobreviventes da Segunda Guerra. A dissensão com os adulto se acentuou
com a Guerra da Argélia. "Por que
morrer sem convicção na guerra
suja dos adultos?", perguntavam-se os jovens, engrossando as estatísticas de deserção.
No filme, Bruno Forestier (Michel Subor) é um desertor francês,
um individualista romântico que
sonha fugir para o Brasil para não
"entrar na guerra como no colégio de nossa infância".
Como o Malraux de "A Condição Humana", Forestier reflete o
tempo todo sobre seus atos, mas é
do tipo que se põe às questões erradas, perturbado que está pela
assincronia entre o seu interior e o
seu exterior, entre a idéia que tem
de si e a imagem que vê no espelho. Pego apaixonado no meio da
guerra entre duas facções rivais, a
FLN (Frente de Libertação Nacional) argelina e um comando antiterrorista de direita do qual tenta
se desvincular, o "petit soldat" filia-se aos anti-heróis de Samuel
Fuller, mas seu verdadeiro pai é
mesmo o mercenário de "Cinzas e
Diamantes" (Andrzej Wajda,
1959), de quem retoma o lema: o
importante na vida é não se dar
por vencido.
Anna Karina, iniciando, em plena paixão, seu ciclo com Godard,
faz uma revolucionária da FLN a
quem Forestier dedica a frase:
"Fotografar um rosto é fotografar
a alma que há detrás. A fotografia
é a verdade. E o cinema é a verdade 24 vezes por segundo". Começando a tentar apreender a alma
de sua Karina, Godard se reconcilia, indiretamente, depois da provocação de "Acossado", com as
idéias de André Bazin, grão-mestre da geração. Censurado pelo
governo, repudiado pela direita e
pela esquerda, o filme marcaria o
início do fim da moda nouvelle
vague. Depois do sucesso de
"Acossado", esta era a segunda
surpresa que Godard aprontava.
Até receber uma torta na cara
no lançamento de "Detetive", no
Festival de Cannes, Godard protagonizou uma longa série de surpresas, sempre disposto a não
corresponder às expectativas. Em
"Detetive" (1985), feito depois dos
"anos Karina" e da fase maoísta,
ele prometeu um enredo de noir,
mas tematizou, mais uma vez, sua
própria prostituição de artista,
como em "O Desprezo". Godard
se vê um pouco como o boxeador
que vai protagonizar uma luta
comprada, perdida de antemão.
Mas a luta perdida, isto é, o filme,
não passa de um pretexto para
que fale sobre o que pensa e lê, faça uma citação, um novo trocadilho, uma nova "boutade", enredando-se cada vez mais no curto-circuito cinema-literatura.
O Pequeno Soldado
Le Petit Soldat
Produção: França, 1963
Direção: Jean-Luc Godard
Com: Michel Subor, Anna Karina
Quando: a partir de hoje no Top Cine
Detetive
Détective
Produção: França, 1985
Direção: Jean-Luc Godard
Com: Jean-Pierre Léaud, Nathalie Baye
Quando: a partir de hoje no Top Cine
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