São Paulo, sexta-feira, 13 de fevereiro de 2004

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"O SONHO AZUL"

Realismo escapa de viés monumental

CÁSSIO STARLING CARLOS
EDITOR DO FOLHATEEN

Sonhos pertencem às experiências que identificam os integrantes de certas gerações. Algumas sonharam casar e ter filhos, e outras, praticar a liberdade moral e sexual. Para outras ainda, liberdade de expressão já bastava.
Nesta se enquadra "Um Sonho Azul", realizado em 1993 por Tian Zhuangzhuang e lançado no Brasil em 1997. Sua reexibição a partir de hoje ajuda a reavaliar a dimensão de Zhuangzhuang, integrante da chamada "quinta geração do cinema chinês".
A categoria designava, a partir dos anos 80, a quinta turma formada pela Academia de Cinema de Pequim desde 1949 (ano da tomada comunista do poder no país) e reunia os então promissores Chen Kaige (de "Adeus Minha Concubina") e Zhang Yimou (de "Lanternas Vermelhas"), além de Zhuangzhuang.
Enquanto seus pares conquistaram reputação com melodramas de tintas exóticas, Zhuangzhuang mergulhou no ostracismo por causa do realismo sem retoques desse "Um Sonho Azul".
Proibido de filmar pelas autoridades chinesas, Zhuangzhuang só retomou a direção em 2002, com "Springtime in a Small Town", premiado no Festival de Veneza do ano passado.
"Um Sonho Azul" acompanha a infância e entrada na adolescência de Tietou, que coincidem com o período de grandes mudanças no regime de Mao Tse-tung (1893-1976), como o Grande Salto para a Frente (de 58 a 60) e a Revolução Cultural (a partir de 66).
Em vez de retratar a história sob o viés monumental, Zhuangzhuang opta por mostrá-la tal como vivida. Não há ênfase em "tomadas de consciência" pelo protagonista, interessado mais nas brincadeiras de infância.
Ao mesmo tempo, seja pela encenação seca, seja pelo ponto de vista endógeno pelo qual é narrado, "O Sonho Azul" consegue atingir a rara qualidade de ser um filme político em vez de ser meramente um filme "sobre o político" (daqueles em que a história serve só de ilustração, como se fosse um cenário).
Aí se encontram, de mãos dadas, a beleza de seu resultado e o motivo de ter provocado tanto a ira do autoritarismo chinês.


O Sonho Azul
Lan Feng Zheng
    
Produção: China, 1993
Direção: Zhuangzhuang Tian
Com: Quanxin Pu, Liping Lu
Quando: a partir de hoje no Cinesesc



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