São Paulo, domingo, 13 de fevereiro de 2005

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SÉRIE

Sem fim didático, programa do Canal Brasil revela o processo de criação de grupos como o Armazém e Nós do Morro

"Terceiro Sinal" abre porta da TV ao teatro

SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

Ao contrário do que reza o velho clichê paulistano, não é verdade que o Rio é uma praia cercada de novelas por todos os lados. Importantes companhias de teatro experimental, como o Grupo Armazém de Teatro e a Companhia dos Atores, há anos se desenvolvem longe da "visibilidade" da grande irmã televisão, contando com o endosso de uma platéia fiel -mesmo que a política cultural oficial não veja isso.
É uma boa surpresa então que o Canal Brasil tenha resolvido lançar em horário nobre um programa dedicado a esses grupos. "Terceiro Sinal", apesar de algumas fragilidades, começa a afirmar na grande mídia uma idéia que se impõe cada vez mais na produção teatral: teatro não é bem de consumo, um peixe a ser vendido, mas um serviço público, estabelecido ao longo dos anos, em processo a ser acompanhado.
Com mais de 15 anos de estrada e sede no Rio desde 1998, o grupo Armazém merece ser o primeiro da fila. Em peças como "Alice Através do Espelho", de 1999, o diretor Paulo de Moraes vem estabelecendo um teatro que remete ao Asdrúbal Trouxe o Trombone enquanto marco de geração, ritual compartilhado com a platéia como celebração da vida.
Sabiamente, "Terceiro Sinal" não tem pretensões didáticas nem de registro histórico -afinal, o próprio Armazém já se encarregou disso, editando o belo volume "Para Ver com Olhos Livres", em 2003, e uma série de DVDs. O mérito do programa é revelar o processo de criação no que ele tem de artesanal, no tatear cotidiano.
Assim, mesmo que a câmera seja um pouco cambaleante e os depoimentos mereçam uma edição mais enxuta, o formato do programa, dirigido por Marcelo Santiago e produzido por Marcos Costa, é bastante eficiente quando mostra, por exemplo, a explicação do diretor sobre o seu processo, ilustrada a seguir por uma cena de ensaio e depois o mesmo trecho no espetáculo pronto.
Para quem ainda não conhece o Armazém, portanto, os trechos apresentados de seu último espetáculo ("A Caminho de Casa") acabam constituindo um belo cartão de visita para a companhia, chamando a atenção pelo seu conteúdo, não pela fama ou pelo marketing da fofoca. Aguarda-se com boa expectativa os episódios a vir, com notícias sobre o que andam fazendo a Cia. dos Atores e o Nós do Morro, entre outros.
Quanto ao apresentador estreante Eduardo Moscovis, curiosamente, é ao mesmo tempo o que há de mais frágil e mais revelador. Está evidentemente intimidado pela tarefa quando procura levantar questões importantes para a arte experimental, ele que conhece uma linha mais comercial de teatro. Mas sua ingenuidade, além de transparecer um respeito devido aos colegas de palco, acaba sendo porta-voz do público menos habituado ao teatro.
Neste programa de estréia, por exemplo, quando se espanta com o fato de grandes atrizes como Patrícia Selonk e Simone Mazzer se sujeitarem a pequenas tarefas de manutenção, deixando de lado o glamour da fama, recebe uma paciente resposta de Paulo de Moraes. O diretor experimental explica para o "Reginaldo da novela" que o teatro tem de buscar a vida, e a vida não é glamourosa. Algo se move na TV brasileira.


Terceiro Sinal
   
Quando: amanhã, às 19h05, e no sábado, às 18h30, no Canal Brasil



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