São Paulo, sábado, 13 de fevereiro de 2010

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LIVROS

Crítica/"História do Brasil com Empreendedores"

Ensaio fica refém da ilusão do "historiador marxista"

Livro de Jorge Caldeira contesta ideias de Caio Prado Júnior, mas não inova

PAULO HENRIQUE MARTINEZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

Neste início de século, tangido pela apreciação amena do passado, o livro de Jorge Caldeira é corajoso. História econômica, debate teórico e interpretações de Marx comparecem nas duas partes da "História do Brasil com Empreendedores". A primeira explicita vínculos entre as interpretações de Caio Prado Júnior e de Oliveira Vianna. Ambos atribuem ao latifúndio papel central na formação da sociedade colonial. Esse enfoque, diz Caldeira, impede a compreensão do significado dos empreendedores na história do Brasil.
Indivíduos livres, o desejo de enriquecer, trocas mercantis, relações contratuais unindo modos de produção responderiam por outra realidade histórica, distante da grande propriedade rural, da escravidão, da exportação de gêneros tropicais. Essa é a interpretação em construção e granjeia a segunda parte do volume.
Caldeira segue a trilha de continuidade entre os livros de Caio Prado, "Evolução Política do Brasil" e "Formação do Brasil Contemporâneo", tornando-se refém da ilusão biográfica do "historiador marxista".
Para romper essa amarra, esmera-se para detectar as categorias analíticas emprestadas e a pureza teórica das formulações de Marx. A leitura a partir da descontinuidade seria mais fecunda. Aqueles são livros diferentes e contêm distintas intenções de conhecimento. A recorrência do latifúndio emerge do debate contra teses do Partido Comunista, que buscava a revolução agrária. Caio Prado expunha a fragilidade política e social das reivindicações camponesas no Brasil, então defendidas pelo PCB.

Nexo externo descartado
Ao descartar o nexo externo, sublinhado em "Formação do Brasil Contemporâneo", Caldeira perde de vista a diferença de escalas na análise histórica. Fernando Novais alçou a escala temporal da periodização do desenvolvimento capitalista na Europa e motivou pesquisas sobre capitalismo e colonização. Luiz Felipe de Alencastro projetou a escala espacial no Atlântico Sul e calçou a investigação da história do trabalho. Hoje, as escalas macro alimentam as "histórias conectadas".
Jorge Caldeira está interessado na história do Brasil e, assim, o nexo externo não lhe diria nada. O fato é que seus temas transitam em outra escala, aquela da economia de mercado, apontada por Braudel. Nela, a história da riqueza e das fortunas flui com destreza e pouparia a luta contra os moinhos de vento do latifúndio. Na época moderna, os jogos das trocas são a parte mais visível e ativa da vida econômica e sugerem dominar toda a sociedade. Contudo eles estão comprimidos entre a dimensão material da existência humana e a movimentação do grande comércio.
A ilusão econômica dessa supremacia é risco a ser evitado pelo estudioso do passado.
Este ensaio de divulgação, crivado de flechas de erudição da teoria política, da análise sociológica e da historiografia, revela que uma ideia na cabeça e um documento na mão não bastam para alcançar uma história nova ou inovadora.

PAULO HENRIQUE MARTINEZ é professor no Departamento de História da Unesp/Assis.


HISTÓRIA DO BRASIL COM EMPREENDEDORES

Autor: Jorge Caldeira
Editora: Mameluco
Quanto: R$ 49 (336 págs.)
Avaliação: regular




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