UOL


São Paulo, quinta-feira, 13 de março de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ARTIGO

Ainda estamos no "Vinho Zero"

MANOEL BEATO
ESPECIAL PARA A FOLHA

O vinho brasileiro é bom? Há bons vinhos. Mas em relação a quê? E, afinal, o que é um bom vinho? Se para Pound "grande literatura é a linguagem carregada de significado até o máximo grau possível", o grande vinho será uma obra-prima de concisão, intensidade, complexidade e só pode ser criado em condições privilegiadas.
É preciso reconhecer então as limitações da nossa geografia e da nossa mentalidade produtiva. As dificuldades situam-se sobretudo na área da viticultura (cultura das vinhas), que é justamente, segundo a maioria dos melhores produtores do mundo, a peça principal para o grande final. Há carência de agrônomos atualizados, bem como de agricultores mais conscienciosos. Tem-se privilegiado, em vez da qualidade, a quantidade herdeira e responsável por uma produção tradicionalmente rústica, de vinhos comuns. Por que nossa produção não começa pelo começo, apostando num estágio básico de qualidade, num vinho correto, agradável, e na medida do possível, estável? Para isso faz-se necessário dar uma cara para essa boa, ainda virtual, poesia líquida. Se é impossível se criar um vinho soberbo, podemos, porém, melhorar sobremaneira o que já existe de bom.
A maior parte de nosso vinho ainda decepciona. Falta à nossa vitivinicultura seu sotaque peculiar. Como um time entrosado. Variado, mais coeso.
Além disso, para a formação imprescindível de um público, é preciso haver uma política de preço justa e coerente. É inaceitável pagar mais de R$ 30 por um vinho conterrâneo, diante de bons chilenos, portugueses, argentinos e espanhóis que tantas vezes custam bem menos que isso. Ao pensar num presente, por exemplo, por que não estender a categoria de custo-benefício (preço-prazer) do eterno CD e gravata a um possível mundo novo do vinho nacional?
Passo a passo, porém, só agora a nossa identidade começa realmente a ser discutida. Com a melhor tecnologia, enólogos competentes e produtores sérios desenvolvemo-nos nas últimas décadas e sobretudo na última, contudo o mosto só começa mesmo a borbulhar neste novo milênio. Se até então se apostava na serra gaúcha como nossa melhor região, agora a bola da vez é a Campanha, região do Rio Grande do Sul próxima à fronteira com o Uruguai, onde chove pouco, os terrenos são menos acidentados e o sistema de plantio mais adequado. Alguns produtores acreditam que de lá surgirá o nosso melhor vinho. Entre os que desde já merecem nossos aplausos por seus esforços e tentativas estão os seguintes produtores: Don Laurindo, Miolo, Valduga, Pizzato, Dal Pizzol, Chandon, Salton, Lovara, Marson e Baron de Lantier. Como me disse um deles, a ponto de inspirar-me o nome desse texto, "estamos começando do zero". Talvez o país também. Felipão valorizava o zero a zero, Pixinguinha, idem. Agora é com vocês abrir o placar, deitar e rolar. Ao leitor entusiasmado e principiante (como nosso vinho), há dicas sobre como apreciar um bom vinho. Mas isso fica para uma próxima vez.


Manoel Beato é sommelier do restaurante Fasano


Texto Anterior: Gastronomia: Catalão pede cozinha "humanizada"
Próximo Texto: Mundo Gourmet: Um pouco de tudo de bom no novo Burger & Bistrot
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.