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ARTIGO
Ainda estamos no "Vinho Zero"
MANOEL BEATO
ESPECIAL PARA A FOLHA
O vinho brasileiro é bom? Há
bons vinhos. Mas em relação
a quê? E, afinal, o que é um bom
vinho? Se para Pound "grande literatura é a linguagem carregada
de significado até o máximo grau
possível", o grande vinho será
uma obra-prima de concisão, intensidade, complexidade e só pode ser criado em condições privilegiadas.
É preciso reconhecer então as limitações da nossa geografia e da
nossa mentalidade produtiva. As
dificuldades situam-se sobretudo
na área da viticultura (cultura das
vinhas), que é justamente, segundo a maioria dos melhores produtores do mundo, a peça principal
para o grande final. Há carência
de agrônomos atualizados, bem
como de agricultores mais conscienciosos. Tem-se privilegiado,
em vez da qualidade, a quantidade herdeira e responsável por
uma produção tradicionalmente
rústica, de vinhos comuns. Por
que nossa produção não começa
pelo começo, apostando num estágio básico de qualidade, num vinho correto, agradável, e na medida do possível, estável? Para isso
faz-se necessário dar uma cara
para essa boa, ainda virtual, poesia líquida. Se é impossível se criar
um vinho soberbo, podemos, porém, melhorar sobremaneira o
que já existe de bom.
A maior parte de nosso vinho
ainda decepciona. Falta à nossa
vitivinicultura seu sotaque peculiar. Como um time entrosado.
Variado, mais coeso.
Além disso, para a formação
imprescindível de um público, é
preciso haver uma política de preço justa e coerente. É inaceitável
pagar mais de R$ 30 por um vinho
conterrâneo, diante de bons chilenos, portugueses, argentinos e espanhóis que tantas vezes custam
bem menos que isso. Ao pensar
num presente, por exemplo, por
que não estender a categoria de
custo-benefício (preço-prazer) do
eterno CD e gravata a um possível
mundo novo do vinho nacional?
Passo a passo, porém, só agora a
nossa identidade começa realmente a ser discutida. Com a melhor tecnologia, enólogos competentes e produtores sérios desenvolvemo-nos nas últimas décadas
e sobretudo na última, contudo o
mosto só começa mesmo a borbulhar neste novo milênio. Se até
então se apostava na serra gaúcha
como nossa melhor região, agora
a bola da vez é a Campanha, região do Rio Grande do Sul próxima à fronteira com o Uruguai, onde chove pouco, os terrenos são
menos acidentados e o sistema de
plantio mais adequado. Alguns
produtores acreditam que de lá
surgirá o nosso melhor vinho. Entre os que desde já merecem nossos aplausos por seus esforços e
tentativas estão os seguintes produtores: Don Laurindo, Miolo,
Valduga, Pizzato, Dal Pizzol,
Chandon, Salton, Lovara, Marson
e Baron de Lantier. Como me disse um deles, a ponto de inspirar-me o nome desse texto, "estamos
começando do zero". Talvez o
país também. Felipão valorizava o
zero a zero, Pixinguinha, idem.
Agora é com vocês abrir o placar,
deitar e rolar. Ao leitor entusiasmado e principiante (como nosso
vinho), há dicas sobre como apreciar um bom vinho. Mas isso fica
para uma próxima vez.
Manoel Beato é sommelier do restaurante Fasano
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