São Paulo, quarta-feira, 13 de setembro de 2000

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CONCERTO/CRÍTICA
Freire e LMP: muito bom... com reticências

ARTHUR NESTROVSKI
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

O concerto foi muito bom... com reticências. Muito bom: mas não maravilhoso. Nelson Freire é sempre um prazer de ouvir e sempre interessante. Os London Mozart Players são um prazer, também, mas... menos interessantes. Com um programa tão conhecido, o prazer ficou devendo interesse -o que ainda é muito melhor do que o contrário.
"Sturm und Drang": tempestade e paixão, mas não é o que se imagina. Na "Sinfonia nš 49" de Haydn (1732-1809), a paixão é, em boa medida, um teatro de semitons e a tempestade, uma precipitação de colcheias. E é justamente entre uma coisa e outra -entre a experiência e a música- que o compositor se equilibra, com ironia.
Tocar devagar tende a ser mais difícil do que tocar depressa. Tocar Haydn devagar é ainda mais difícil, porque o espírito fica suspenso nesse intervalo. Os London Mozart Players começaram vacilando um pouco, no adágio. Mas a tempestade chegou logo e, dali em diante, a orquestra foi ficando à vontade.
O conjunto tem altos (literalmente: as violas) e baixos (as vítimas de sempre: as trompas). Toca com um som cheio e muita energia, num estilo direto, um tanto anacrônico, se se pode falar em anacronismo na música.
Fundada em 1949, sua identidade musical parece de 30 anos depois, que hoje são quase 30 anos atrás. Foi bem regida por Jonathan Grieves-Smith, que é direto, energético, sincrônico.
A música mudou de registro com a chegada de Nelson Freire, interpretando o "Concerto nš 9 para Piano e Orquestra" de Mozart (1756-91). Estranha combinação: ninguém pensa em Freire tocando Mozart.
Deveria pensar. Sua legendária fluência faz das escalas e arpejos desse concerto um festival de vivacidade, sem com isso perder a melancolia.
Em Mozart, tudo é exposto, não há onde se esconder. A profundidade está na superfície. Foi um prazer especial ouvir este Nelson Freire matinal e solar.
Nas cadências do terceiro movimento, em particular, o pianista encontrou uma medida pessoal de reticência: uma reticência exuberante, ou exuberância mineira. A primeira delas trouxe Mozart para a companhia de Ravel; a segunda o levou de volta para o colo de Haydn.
Nelson Freire nunca é menos do que interessante de ouvir. Às vezes, é bem mais. Anteontem, tocou lindamente, mas (para seus padrões) do lado de cá do gênio. Aplaudido espontânea e expressivamente pelos músicos da orquestra, ficou ao lado deles, um músico entre músicos, e modestamente não deu bis.
Resto do programa: uma peça dispensável do compositor inglês Paul Patterson (1944) -Bartók revisitado, com alguns efeitos "poloneses". Ou: alguém sonhando com Tippett sonhando com Bartók. E a indispensável "Sinfonia nš 29" de Mozart, que a orquestra tocou com vontade.
Tudo somado: foi bom de ouvir? Foi. Era Mozart e Haydn? Mozart e Haydn. Teve Nelson Freire? Teve. Então... podemos esquecer as reticências? Não... mas não é motivo para não lembrar com prazer e interesse esse concerto sem muito interesse, mas que nos deu muito prazer.


Avaliação:    


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