São Paulo, Segunda-feira, 13 de Setembro de 1999
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BLUR
Vocalista Albarn e baixista Alex James falam à Folha sobre os shows que fazem no Brasil, em novembro
Oasis me lembra Ronaldinho, diz Damon

do enviado a Londres

Três dias depois do histórico show no Reading Festival, Damon Albarn (vocalista e líder do Blur) e Alex James (baixista) receberam a Folha em um hotel em Londres para um papo exclusivo sobre a turnê da banda pela América do Sul.
(LÚCIO RIBEIRO)

Folha - É a primeira vez que o Blur, em dez anos de banda, excursiona pela América do Sul. Que tipo de público vocês esperam encontrar por lá?
Damon Albarn -
Não temos a mínima idéia, sabia? E isso é excitante para nós. Faz tempo que estamos a fim de tocar na América do Sul, mas nunca deu certo. Para mim, em particular, acho que será muito mais interessante que gastar nosso tempo tocando nos EUA, por exemplo. Pelo menos eu acho isso.

Alex James - Estamos numa fase em que queremos mesmo é tocar em lugares estranhos...

Folha - O que você quer dizer por "estranhos"?
Alex -
Estranhos no sentido de não sabermos como é, como as pessoas irão se comportar em um show do Blur.

Damon - O negócio é que excursionamos demais por causa do álbum anterior ao "13" ("Blur", 1996) e ficamos um pouco de saco cheio de dar shows, principalmente na Inglaterra e nos EUA. Queremos fazer shows diferentes, em lugares diferentes.

Folha - Alguma expectativa em tocar no Brasil? Vocês têm alguma informação, por exemplo, de quantos discos o Blur vende no país, se toca muito em rádio? Porque não vende tanto e nem toca muito, embora vocês sejam bem conhecidos pelo público que gosta de música pop...
Damon -
Sabemos disso. E não acho ruim, porque quem vai ao nosso show em lugares assim são os que realmente estão interessados na banda, acompanham nosso trabalho, independentemente de as rádios do Brasil tocarem ou não nossas canções.

Alex - E, pelo que ouvimos falar de outros grupos que tocaram na América do Sul, os concertos de rock no Brasil e na Argentina são sempre quentes. O público é enlouquecido, entusiasma a banda, o que acaba fazendo com que os shows sejam especiais, tanto para quem assiste como para quem toca.

Damon - O que posso adiantar sobre nossa ida ao Brasil é que não estamos interessados em visitar Ronnie Biggs (risos). (Ronald Biggs, que praticou um famoso assalto a um trem pagador inglês, vive no Rio e é parada obrigatória para nove entre dez estrelas do rock inglês que vêm tocar no Brasil.)

Folha - E como serão as apresentações em São Paulo e no Rio? Vocês vão tocar apenas as músicas de "13" e deixarão alguns hits antigos só para o bis, como fizeram até agora nos shows de divulgação do álbum? Ou será como no Reading Festival, algumas canções do "13", mas essencialmente um show de "greatest hits" do Blur, mais no espírito de comemoração dos 10 anos da banda, com o lançamento (no exterior) da caixa com 22 singles?
Damon -
Não sabemos ainda. Vai depender do astral da banda na época. Do que sentirmos no lugar. Somos uma banda, como você falou, que se apresenta há dez anos. E, quando tocamos velhas canções, é um show mais emocionante e tal. Mas um concerto só com músicas de "13" é mais intenso. Não dá para adiantar. Talvez, se tocássemos hoje no Brasil, fosse um show de "greatest hits". Pode ser ainda que em São Paulo o show seja inteiramente diferente do do Rio.

Folha - Durante dez anos de estrada, o Blur sobreviveu incólume aos efeitos de várias ondas, como o indie dance, o grunge, o britpop. Qual a avaliação que vocês fazem da música pop hoje, depois destes anos todos?
Alex -
Infelizmente não há muitas bandas novas que empolguem na música pop atual, principalmente aqui no Reino Unido. Uma coisa ruim aconteceu após a segunda metade desta década, depois que bandas como Oasis, Pulp, Blur e Radiohead atingiram a veia comercial da música britânica com canções de puro pop.
Quando essas bandas pararam de vender tanto, o mercado começou a procurar grupos para nos substituir e chegaram a Embrace, Travis, Space, Ultrasound, bandas que não excitam ninguém, que podem ocupar por semanas o primeiro lugar na parada sem que isso represente muito em vendas. O pop ficou chato.

Damon - Na verdade, não gosto de falar dessas novas bandas, porque elas são de uma geração diferente da minha, que veio depois. Pareceria um velho rancoroso. Elas não me empolgam, mas pode ser que empolguem a garotada de hoje. Sei lá.

Folha - E que tipo de som empolga você?
Damon -
Acho que, ultimamente, tenho me interessado nessa música feita hoje de Cuba para baixo. Na verdade de Miami para baixo...

Folha - Ricky Martin?
Damon -
Não, não mesmo (risos). Tenho comprado uns CDs de artistas cubanos. Músicas com menos guitarras, com um baixo pulsante, uma bateria diferente, com vocal emocionado, com alma. Acho que é uma fase.

Folha - Mesmo adorado pelo público inglês (a banda atraiu sozinha cerca de 60 mil pessoas para o principal show do festival de Reading), o Blur carrega algumas inimizades dentro do rock, como a histórica com o Oasis e a mais recente, com bandas como a escocesa Mogwai e a americana Pavement (o Mogwai chegou a vender uma camisa oficial que trazia a escrita "Blur é merda"). O que a banda pensa sobre isso?
Damon -
O Blur existe há dez anos e acho que não estou mais na idade de deixar essas coisas me afetarem. Nossa banda sempre viveu muitas mudanças sonoras e ainda assim nosso público sempre cresceu, se renovou. As pessoas que vivem de música ficam ofendidas com isso, tendem a achar que não somos puros, dignos. O Clash viveu isso. Não damos bola para esse tipo de coisa.

Alex - Isso ocorre, talvez, porque essas pessoas parecem às vezes não gostar da própria música que fazem, sempre a mesma. E criam problemas com a gente porque o Blur está sempre mudando. Sei lá.

Folha - Está na biografia autorizada da banda, "3862 Days", que chegou recentemente às livrarias: o Blur quase acabou na época do álbum "Great Escape" (1995). Como foi que a banda esteve perto do fim?
Alex -
Quando pessoas ficam juntas por muito tempo, fazendo sempre a mesma coisa, chega uma hora que satura, não dá mais. Estávamos voltando de uma bem-sucedida, mas ao mesmo tempo estafante turnê de "Great Escape" pela América. Tocávamos por tocar, não por prazer. E todos tínhamos problemas particulares pesados na época (entediado, Damon foi morar na Islândia; Alex e o guitarrista Graham Coxon se afundaram no álcool). Demos um tempo e não sabíamos se a banda ia continuar. Achava que não.

Folha - E qual é o futuro do Blur depois de "13", dos dez anos, da caixa de singles, dos shows na América do Sul, da turnê na Inglaterra?
Damon -
É difícil dizer. Não sabemos o que vai acontecer com a banda. O bom é que aprendemos a viver fora do Blur (Damon tem atuado no cinema e composto trilhas sonoras; Graham Coxon lançou álbum solo e tem um lado de artista plástico). Não dá para falar nada sobre o futuro, ainda.

Folha - Como você vê o desmantelamento do Oasis, a saída do guitarrista e do baixista?
Damon -
Acho triste. Eles parecem ter perdido a luz que tinham. Esse final assim de uma certa forma apaga as coisas boas que eles fizeram. O Oasis vive um processo de desconstrução. De uma certa forma, me lembram o jogador de vocês, o Ronaldinho. Muita fama parece ter feito mal a ambos, ao jogador e à banda. Ronaldinho parece triste, perdeu a alegria de fazer o que faz. Quando vejo os caras do Oasis, eles me parecem tristes. Enfim... Aliás, é verdade que surgiu um novo Ronaldo melhor que o Ronaldinho?

Folha - Aproveitando o lançamento da caixa de 22 singles, quais são suas canções favoritas do Blur
Damon -
Gosto muito, na verdade, dos nossos lados B dos singles, que de certa forma me lembram de quando éramos mais jovens, sonhadores, de uma certa forma deslumbrados, selvagens.

Você não tem mais paciência com os "lados A"?
Damon -
Claro que sim. É que às vezes ainda me surpreendo com os tesouros que temos enterrados em lados B, desde "There's No Other Way" ("Leisure", 1990) até "Tender" ("13", 1999). "Popscene", "Song 2"...


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