São Paulo, Segunda-feira, 13 de Setembro de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CRÍTICA
Terror, heróis e clichês

da Reportagem Local

"Lembrar É Resistir" -o título soa piegas, parece infeliz e panfletário. Quem quiser vai ter mais de um motivo para dizer o mesmo da própria peça: é sentimental, idealista, está recheada de chavões de época. Tudo isso é verdade e, no entanto, ao dizê-lo, já se incorre no pecado, no caso imperdoável, da frivolidade.
"Lembrar É Resistir" é ao mesmo tempo mais e menos que teatro, como se, contradizendo a si mesma, nos dissesse que a tortura é inominável. No ambiente do Dops, isso precisa ser levado ao pé da letra; tudo é muito próximo e real para que possa ser encenado; fazê-lo já significa trair o que deve ser dito, conhecido, lembrado.
Causa horror físico ser conduzido pelo ator-algoz por corredores e celas lúgubres. As paredes bolorentas, a luz trêmula, os gritos de dor, não se sabe vindos de onde, ecoando sob o teto aos pedaços, com goteiras (garoava na estréia)-tudo, enfim, é motivo de mal-estar, nojo e às vezes pânico.
A peça oscila entre a exposição bruta desse horror (é o que tem de melhor e de mais insuportável) e palavras de ordem, cantorias, gritos de esperança. Por vezes funciona -por exemplo, quando uma das atrizes, solitária, cantarola "Cálice", de Chico Buarque, minutos a fio. Alguns presos faziam isso -para protestar ou simplesmente não enlouquecer.
Um trecho declamado de "A Noite Dissolve os Homens", de Drummond, mesmo panfletário, também comove (é Drummond), mas nem sempre o valor sentimental das referências literárias se justifica em termos dramáticos.
O apelo frequente ao clichê sinaliza o problema maior da peça: a idealização da guerrilha. Eram seres humanos, mas são tratados apenas como heróis -ninguém delata ninguém, morre-se sem falar. Não foi assim, sabemos, e se assim fosse a tortura seria um pouco menos horrível do que é (flagelo físico e dor moral).
Um filme como "Ação Entre Amigos", de Beto Brant, é nesse sentido mais complexo. E crava mais os dedos na ferida. (FBS).


Avaliação:    


Texto Anterior: 20 anos de Anistia: Espectador "vive" tortura no Dops
Próximo Texto: Francês faz relato de maus-tratos na Argélia
Índice

Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.