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LIVROS/LANÇAMENTOS
"BRASÍLIA KUBITSCHEK DE OLIVEIRA"
Livro narra a construção da capital
Obra biografa JK por meio da cidade que ele criou
GILBERTO FELISBERTO VASCONCELLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA
O cinema brasileiro já informou: Brasília é uma metáfora que preenche um sentimento
de grandeza, mas que ainda não
se realizou na história. Ou seja:
permanece a contradição entre
estética e política.
Admirador e entusiasta de JK, o
livro de Ronaldo Costa Couto,
muito pessoal no estilo e repleto
de tiradas charmosas, é um mergulho na simbiose entre o criador
e a criatura: a Brasília de Juscelino
Kubitschek.
É quase uma biografia do ex-presidente, tecida sob o prisma da
cidade que ele criou. A invenção
de uma nova capital. A arquitetura na geopolítica até hoje motivo
de controvérsia.
Eu mesmo já li e ouvi uma porção de argumentos prós e contras.
De Cláudio Abramo a Silva Mello.
A cidade é nova, revolucionária,
mas foi concebida dentro de um
regime econômico e tecnológico
voltado para fora do país e com
abertura irrestrita ao capital estrangeiro. O paradigma do entreguismo. O executor da política da
Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal), segundo J.W. Bautista Vidal.
A meu ver, a posição do autor
repercute o desejo de JK: o lance
ousado de Brasília foi ter colocado
a arte acima das determinações
econômicas. Juscelino gostava
mais de político do que de economista. Brasília seria fruto de uma
superestrutura ideológica terceiro-mundista: a emergência da
originalidade estética ou a nossa
marca cultural materializada no
urbanismo e na arquitetura, como um espelho a mostrar, no Planalto Central, o caminho político
de uma práxis descolonizadora.
Juscelino, sublinha Costa Couto, não era um presidente deslumbrado pelo Primeiro Mundo.
Fez apenas duas viagens ao exterior: Portugal e Panamá. Nunca
foi um "primeiro-mundoso", como outros presidentes que vieram depois dele. Viveu, no exílio,
entediado em Paris.
Sempre metido dentro de uma
avião DC-3 -"um grande jipe
alado", no dizer do autor-, pode
ter contraído a mania ambulatória por causa do sangue cigano
que lhe corria nas veias, mas se
movimentou para o interior tal
qual um bandeirante depois do
invento de Santos Dumont.
Destino maluco: foi morrer
num carro Opala esmigalhado na
rodovia Dutra. Em 1961 o crítico
Franklin de Oliveira chamou seu
governo de "neomalthusiano"
por destinar 50% de investimentos à indústria automobilística.
Eis o retrato feito por Costa
Couto de JK: simpático, trabalhador, delirante, carismático, mulherófilo, namorador, místico, supersticioso, médico. Teve como
último cliente o escritor proletário Eduardo Frieiro.
Por que JK fez Brasília? Idéia de
missão. Rumo ao oeste. Encasquetou com a vulnerabilidade do
poder no Rio depois do suicídio
de Getúlio Vargas no Catete, em
1954, embarcou no barato de José
Bonifácio de Andrade e Silva, que
inventou a palavra Brasília, levou
a sério o sonho de Dom Bosco ou
identificou-se com Akhenaton,
narcisismo faraônico na busca da
imortalidade como resposta ao
sentimento trágico da vida.
Impressionou-me o depoimento de um amigo dele de Diamantina: à altura de 1975, um ano antes
de morrer, melancólico, desiludido, dando adeus a qualquer projeto de poder, Juscelino começou
a curtir telenovela. Ele dizia: "Vamos embora, vamos embora que
já está na hora da telenovela".
Gilberto Felisberto Vasconcellos é
professor de ciências sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora (MG) e autor de, entre outros, "Glauber Pátria Rocha Livre" (ed. Senac)
Brasília Kubitschek de Oliveira
Autor: Ronaldo Costa Couto
Editora: Record
Quanto: R$ 26 (398 págs.)
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