São Paulo, sábado, 13 de outubro de 2001

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LIVROS/LANÇAMENTOS

"BRASÍLIA KUBITSCHEK DE OLIVEIRA"

Livro narra a construção da capital
Obra biografa JK por meio da cidade que ele criou

GILBERTO FELISBERTO VASCONCELLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA

O cinema brasileiro já informou: Brasília é uma metáfora que preenche um sentimento de grandeza, mas que ainda não se realizou na história. Ou seja: permanece a contradição entre estética e política.
Admirador e entusiasta de JK, o livro de Ronaldo Costa Couto, muito pessoal no estilo e repleto de tiradas charmosas, é um mergulho na simbiose entre o criador e a criatura: a Brasília de Juscelino Kubitschek.
É quase uma biografia do ex-presidente, tecida sob o prisma da cidade que ele criou. A invenção de uma nova capital. A arquitetura na geopolítica até hoje motivo de controvérsia.
Eu mesmo já li e ouvi uma porção de argumentos prós e contras. De Cláudio Abramo a Silva Mello. A cidade é nova, revolucionária, mas foi concebida dentro de um regime econômico e tecnológico voltado para fora do país e com abertura irrestrita ao capital estrangeiro. O paradigma do entreguismo. O executor da política da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal), segundo J.W. Bautista Vidal.
A meu ver, a posição do autor repercute o desejo de JK: o lance ousado de Brasília foi ter colocado a arte acima das determinações econômicas. Juscelino gostava mais de político do que de economista. Brasília seria fruto de uma superestrutura ideológica terceiro-mundista: a emergência da originalidade estética ou a nossa marca cultural materializada no urbanismo e na arquitetura, como um espelho a mostrar, no Planalto Central, o caminho político de uma práxis descolonizadora.
Juscelino, sublinha Costa Couto, não era um presidente deslumbrado pelo Primeiro Mundo. Fez apenas duas viagens ao exterior: Portugal e Panamá. Nunca foi um "primeiro-mundoso", como outros presidentes que vieram depois dele. Viveu, no exílio, entediado em Paris.
Sempre metido dentro de uma avião DC-3 -"um grande jipe alado", no dizer do autor-, pode ter contraído a mania ambulatória por causa do sangue cigano que lhe corria nas veias, mas se movimentou para o interior tal qual um bandeirante depois do invento de Santos Dumont.
Destino maluco: foi morrer num carro Opala esmigalhado na rodovia Dutra. Em 1961 o crítico Franklin de Oliveira chamou seu governo de "neomalthusiano" por destinar 50% de investimentos à indústria automobilística.
Eis o retrato feito por Costa Couto de JK: simpático, trabalhador, delirante, carismático, mulherófilo, namorador, místico, supersticioso, médico. Teve como último cliente o escritor proletário Eduardo Frieiro.
Por que JK fez Brasília? Idéia de missão. Rumo ao oeste. Encasquetou com a vulnerabilidade do poder no Rio depois do suicídio de Getúlio Vargas no Catete, em 1954, embarcou no barato de José Bonifácio de Andrade e Silva, que inventou a palavra Brasília, levou a sério o sonho de Dom Bosco ou identificou-se com Akhenaton, narcisismo faraônico na busca da imortalidade como resposta ao sentimento trágico da vida.
Impressionou-me o depoimento de um amigo dele de Diamantina: à altura de 1975, um ano antes de morrer, melancólico, desiludido, dando adeus a qualquer projeto de poder, Juscelino começou a curtir telenovela. Ele dizia: "Vamos embora, vamos embora que já está na hora da telenovela".


Gilberto Felisberto Vasconcellos é professor de ciências sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora (MG) e autor de, entre outros, "Glauber Pátria Rocha Livre" (ed. Senac)

Brasília Kubitschek de Oliveira
    
Autor: Ronaldo Costa Couto
Editora: Record
Quanto: R$ 26 (398 págs.)



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