São Paulo, sábado, 13 de outubro de 2001

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LIVRO/LANÇAMENTO

"TEORIA DO DRAMA MODERNO"

Tese do pensador alemão, de 1956, explora contradições da criação dramatúrgica

Szondi analisa modernidade em chave dialética

Associated Press
Mulher põe flores sobre o túmulo do dramaturgo Bertolt Brecht


KIL ABREU
CRÍTICO DA FOLHA

A "Teoria do Drama Moderno", de Peter Szondi, tornou-se um clássico antes de ser lançada entre nós. Escrita em 56, a obra balizaria, por exemplo, os estudos de um pensador da altura de Anatol Rosenfeld, que deve a Szondi parte dos princípios desenvolvidos em "O Teatro Épico", em que estende a tese do teórico alemão, sobretudo na compreensão do teatro brechtiano.
Filiado à tradição da teoria crítica e inspirado em Hegel, Szondi nos diz que só é possível considerar o drama moderno colocando-o sob o fundo de suas contradições. Não seria possível equilibrar sem crise um elemento que é histórico (o conteúdo) a uma forma que se pretende atemporal, como se dá na poética tradicional.
Na permanência dessa contradição (que dá conta de boa parte da experiência moderna), teremos o conflito entre determinados modelos, que ditam a "forma correta" do texto teatral, e a exigência de reinvenção dessa forma, provocada pelas novas demandas a serem representadas.
Assim é que, aponta Szondi, desde o renascimento, o texto teatral vai se fechando em características que definem o conflito sempre na perspectiva das relações interpessoais. O coro da tragédia antiga, bem como procedimentos como o prólogo e as intervenções narrativas, vão sendo excluídos, em favor de um formato que se ergue como dogma dramatúrgico e "não só como norma teórica subjetiva, mas também como o estado objetivo das obras".
Que paradigma é esse? De um modo geral, fala-se de um texto que se quer autônomo, que não conhece nada fora de si. O tema se desenvolve no âmbito da relação intersubjetiva, sem a mediação do autor, e o meio linguístico privilegiado é o diálogo, expressão da vontade e da decisão entre as personagens. O tempo da ficção é o presente e não inclui retardamentos. Os mesmos princípios são desdobrados na identificação do ator com a personagem e na relação da platéia com a cena, agente de um voyeurismo permitido.
Mas o modelo não resiste às pressões objetivas do campo em que é criado. Usando de uma dialética que contorna cuidadosamente o historicismo apressado e a transferência direta do fato à obra artística, Szondi vai mostrar como se dá a ruptura à normatização vigente nos movimentos concomitantes de assimilação de novas técnicas de composição e de retorno aos procedimentos já sedimentados na tradição.
Sua análise elege, então, três momentos em que o cânone formal entra em contradição com os novos temas que a partir das últimas duas décadas do século 19 pedem espaço de representação.
Em um primeiro momento, nos mostra Szondi, a crise aparece na obra de autores como Ibsen, em que a técnica analítica acaba por subordinar ao passado o tempo presente da ação; ou em Tchecov, em que a situação dramática e o conflito diluem-se na projeção e na atmosfera lírica.
O naturalismo, tomado como tendência conservadora, é uma das tentativas de salvamento da forma antiga, enquanto que o expressionismo, bem como a revista política de Piscator, o teatro épico de Brecht e a obra de autores como Eugene O'Neill e Thornton Wilder, são tentativas de solução do dito impasse, em que os novos enunciados temáticos encontram formato dramatúrgico compatível. Essas formas novas incluem espaço tanto para a subjetivação extrema quanto para os temas sociais da vida coletiva, antes considerados ilegítimos.
Se uma teoria do teatro contemporâneo já deu conta de abolir a preocupação com a questão dos gêneros e a prática artística só faz diversificar as possibilidades de intervenção do autor teatral, há de se notar com redobrada atenção este lançamento. Não só pela valiosa visão crítica sobre determinado aspecto da criação teatral, como também pelo método analítico, cujo valor maior está em colocar em perspectiva histórica não só o seu objeto de fundo, mas as categorias conceituais usadas para o estudo da dramaturgia.


Teoria do Drama Moderno
    
Autor: Peter Szondi
Apresentação: José Antônio Pasta Jr.
Editora: Cosac & Naify
Quanto: R$ 39 (192 págs.)



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