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"Nunca pensei em ser padre", diz cantor
DO ENVIADO A RECIFE
Roberto Carlos diz que nunca
pensou a sério na possilidade de
se converter em sacerdote, embora reconheça que em um momento difícil da vida possa ter lhe passado pela cabeça algo como: "E
agora, meu Deus, o que é que eu
faço? Viro padre?"
O cantor mais famoso do Brasil
não chega a ser um Howard Hughes ou um J.D. Salinger que jamais deram entrevistas e cultivam
mistérios sobre si mesmos. Mas
anda perto. Ele quase nunca fala
com a imprensa, vive recluso e há
três anos não concedia entrevistas. No sábado à tarde, no hotel
Sheraton de Recife, os jornalistas
tiveram um rara oportunidade de
fazer perguntas a Roberto.
O artista chegou com duas horas e 20 minutos de atraso, trajando um conjunto jeans azul claro,
muito simples, e um tênis branco.
Não havia nenhum segurança por
perto. Os longos cabelos, por
completo encanecidos, estavam
pintados de preto, deixando-o
grisalho.
O que mais chama a atenção na
postura e na maneira de Roberto
falar é a humildade e falta de arrogância. Lembra o vizinho do lado.
Ao entrar na sala da entrevista,
Roberto parecia envelhecido. Há
dúvidas quanto a sua idade. Tanto pode estar com 61 quanto com
57. A informação "oficiosa" dá
conta de 59. Durante a entrevista,
essa cifra foi mencionada e ele não
desmentiu. Nem confirmou.
Roberto é conhecido por sua
maneira oblíqua de responder as
perguntas. Ele não abre o jogo.
Mas faz brincadeiras e, aos poucos, seu rosto ilumina-se e recobra o antigo magnetismo.
Durante 45 minutos, ele respondeu a quase 70 profissionais que
lotavam uma sala da cobertura do
hotel, com vista para o mar. No final, o cantor, que já havia declarado que ainda não estava recomposto o suficiente para retomar a
vida artística, pôs-se a chorar e a
conversa teve que ser interrompida. Veja abaixo os principais trechos da entrevista.
(ANDRÉ SINGER)
Pergunta - Nesse período em que
você ficou afastado, surgiu uma
história de que você teria pensado
em se ordenar sacerdote. Isso tem
alguma procedência?
Roberto Carlos - Não, nenhuma.
Não pensei nisso, não. Pode ser
que até em algum momento muito passado, eu tenha até pensado,
mas nunca falei, para ninguém.
Então não sei como é que souberam (risos). Mas isso foi um flash
na minha cabeça, não passou disso. Eu nunca pensei realmente em
ser padre.
Naturalmente, em um momento difícil da vida gente, em que a
gente fica preocupado com o futuro, em um momento assim... meu Deus do céu, o que é que
eu faço? Viro padre..., sei lá... Mas
nunca pensei nisso assim de forma concreta.
Pergunta - Na música "Tu És a
Verdade, Jesus", há uma frase que
fala "continuo a caminhar". Você
não precisa de dinheiro, de fama,
de sucesso. O que é que te faz voltar? Existiu um conselho de amigo? Além da sua fé, que o faz seguir
em frente? O que é que o move?
Roberto - A gente tem que seguir em frente. A gente tem que
cumprir o que a gente veio fazer
aqui. Seguindo em frente, estou
fazendo aquilo que deve ser feito
e, com certeza, aquilo que Maria
Rita, meu bichinho, quer que eu
faça. Isso é o principal.
Pergunta - Você diz que a crítica
não percebe as mudanças que você faz de disco para disco. Depois
de quatro anos sem lançar um
disco só com material inédito, que
mudanças virão nesse que sai
agora?
Roberto - Nesse disco, eu não
pensei em mudanças. Nem sutis,
nem drásticas. Eu só pensei numa
coisa. Fazer um disco de amor,
um disco que só fale de amor, que
seja ele, num todo, uma declaração de amor, porque esse disco é
feito para Maria Rita. O principal
propósito desse disco é que ele fale de amor, que evite falar de coisas tristes, porque eu tenho certeza que a Maria Rita quer que eu
fale de amor e não fale de sofrimento, não fale em dor e coisas
parecidas. Num momento, eu
achei que era difícil fazer um disco assim, mas aí comecei a perceber que estava surgindo, eu estava
driblando....
Ele pode ter alguma tristeza nas
entrelinhas, mas nas linhas só tem
frases de amor e frases de amor
presente, tratando tudo de uma
forma direta. Não sei bem como
explicar, só ouvindo o disco, mesmo. Então isso foi difícil, porque
quando a gente compõe a gente
faz concessões. Você está compondo uma música, você fala de
amor e amor rima com dor. Aí, de
repente, você quer dizer uma coisa, mas fica muito difícil e a gente
modifica um poquinho. Nesse
disco, não. Nesse disco eu segui o
meu objetivo, ali. As composições
ficam mais difíceis quando a gente tem uma meta muito rígida e
não admite que coisas essas e
aquelas sejam usadas para facilitar a composição. Mas eu consegui. Mesmo na canção dos outros
compositores eu estou tendo o
mesmo critério. Esse disco só fala
de amor bem-sucedido.
Pergunta - Você ficou bem de
cabelo branco. Não passou pela
tua cabeça deixar assim?
Roberto - Passou pela cabeça, sim. Mas eu já estava muito
acostumado com o meu cabelo
grisalho, então não quis voltar
com uma mudança tão drástica.
Talvez daqui para frente a gente
vai deixando, pouco a pouco. Fazendo uns reflexos prateados,
qualquer coisa, assim. Quis ser
como eu sempre fui, por várias razões e por uma razão principal: a
Maria Rita sempre me viu de cabelo grisalho.
Pergunta - Você foi visto recetemente na capa de uma revista
com uma imagem depressiva.
Você está preocupado em mudar
essa imagem?
Roberto - Eu não fiquei deprimido. Eu nunca tive depressão.
Eu tenho tristeza e saudade, um
negócio muito grande. Tenho
chorado muito, muito. Mas eu
não tenho estado depressivo. Depressivo é aquele que não quer saber de nada. Fica prostrado. Essa
prostração, eu nunca tive. Eu
sempre reagi e tenho tratado de
fazer as minhas coisas, com muita
dificuldade, porque, na verdade
eu não estou preparado para começar, ainda não. Para retomar a
minha vida artística. Eu tenho
sentido isso nas dificuldades que
eu tenho tido no meu trabalho. O
meu emocional está muito mexido ainda. Não estou pronto para
isso, mas eu preciso fazer força
para ficar bem. O contato com o
público, o carinho do público, a
energia do público, eu tenho certeza que vai me ajudar muito. Então eu disse: não posso mais
adiar essas coisas, eu tenho que
fazer do jeito que eu estou. Eu
sempre digo que a minha platéia é
minha família.
Eu tenho chorado muito e às vezes chego no estúdio para botar a
voz e é difícil botar a voz, porque
quando a gente chora a voz muda
um pouco, o nariz fica congestionado. Mas essas coisas têm sido
superadas. Não grava às 3h da tarde, grava às 2h da manhã e vai fazendo.
Pergunta - No ano que vem você
faz 60 anos e há três projetos: um
songbook, uma biografia autorizada e um disco de música sertaneja. Você poderia falar sobre esses projetos.
Roberto - O disco sertanejo eu
comecei em fevereiro e aí vi que
era difícil. Fiz quatro músicas e a
gente parou porque tinha que fazer o disco de fim-de-ano. Okky
de Souza, o meu amigo Okky, vai
fazer a biografia. E o songbook
tem que pensar. É muita coisa para eu decidir tão rapidamente.
Pergunta - O que te ajudou a superar a dor?
Roberto - Minha família, meus
amigos, meus filhos, o trabalho.
As orações, o reiki. Tudo isso têm
me ajudado. Esse colo que o Brasil
tem me dado, tem me ajudado
muito.
Pergunta - Deus tem estado
com você nesses sofrimentos e
alegrias?
Roberto - Esse negócio de dizer
"fique tranquilo porque isso é da
vontade de Deus", eu descobri
que não é bem assim. Pirincipalmente quando se trata de sofirmento. Quando alguém diz: "Fique tranquilo porque esse sofrimento que você está tendo é da
vontade de Deus". Eu não creio
nisso. Deus não nos maltrata,
porque nenhum pai maltrataria e
daria um sofrimento a um filho.
Deus tem me dado força para superar o sofrimento, mas Deus não
nos dá sofrimento. Deus realmente bom e justo. Deus não dá a dor,
dá a endorfina.
Pergunta - O seu carisma é comparado ao de Elvis Presley e Frank
Sinatra. Como você se sente?
Roberto - Não tenho essa pretensão. Procuro fazer as coisas do
jeito certo. Eu não tenho essa pretensão. Eu apenas canto.
Pergunta - Você poderia as mudanças políticas que ocorreram
nas últimas eleições?
Roberto - É muito difícil comentar o resultado das eleições,
porque a gente só vai saber depois
o trabalho das pessoas que foram
eleitas. Votar é muito delicado
porque a gente não sabe se o candidato vai corresponder às nossas
expectativas.
Pergunta - Como você a participação nos movimentos sociais e
comunitários? Você com o seu carisma e influência tem algum papel em ajudar o Brasil de hoje?
Roberto - O importante não é só
o artista se manifestar nas opotunidades que ele tem, mas opinar
de modo pensado e equilibrado.
As pessoas têm opiniões que nem
sempre são certas. Ele tem que ter
certeza da responsabilidade da
opinião que ele está dando, senão
é melhor ele ficar quieto.
Pergunta - Você não teme que o
público santifique a sua imagem?
Roberto - Não tenho essa pretensão. Eu sou um espectador de
mim mesmo. As músicas religiosas que eu tenho feito falam do
meu sentimento, do meu pensamento, partindo das minhas necessidades.
Pergunta - Como você classifica
este momento da sua vida?
Roberto - A minha vida hoje é
difícil porque eu tenho que enfrentar tudo isso...(choro)...sem a
presença física da pessoa que eu
mais amo. Sem a presença física
da pessoa que é o que há de mais
importante, mais bonito e mais
precioso que eu conheço. É difícil
de encarar a vida dessa forma.
Mas por se tratar desse amor sem
limite, que é o meu amor e o da
Maria Rita, eu luto e trato de superar todas as dificuldades.
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