São Paulo, segunda-feira, 13 de novembro de 2000

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"Nunca pensei em ser padre", diz cantor

DO ENVIADO A RECIFE

Roberto Carlos diz que nunca pensou a sério na possilidade de se converter em sacerdote, embora reconheça que em um momento difícil da vida possa ter lhe passado pela cabeça algo como: "E agora, meu Deus, o que é que eu faço? Viro padre?"
O cantor mais famoso do Brasil não chega a ser um Howard Hughes ou um J.D. Salinger que jamais deram entrevistas e cultivam mistérios sobre si mesmos. Mas anda perto. Ele quase nunca fala com a imprensa, vive recluso e há três anos não concedia entrevistas. No sábado à tarde, no hotel Sheraton de Recife, os jornalistas tiveram um rara oportunidade de fazer perguntas a Roberto.
O artista chegou com duas horas e 20 minutos de atraso, trajando um conjunto jeans azul claro, muito simples, e um tênis branco. Não havia nenhum segurança por perto. Os longos cabelos, por completo encanecidos, estavam pintados de preto, deixando-o grisalho.
O que mais chama a atenção na postura e na maneira de Roberto falar é a humildade e falta de arrogância. Lembra o vizinho do lado.
Ao entrar na sala da entrevista, Roberto parecia envelhecido. Há dúvidas quanto a sua idade. Tanto pode estar com 61 quanto com 57. A informação "oficiosa" dá conta de 59. Durante a entrevista, essa cifra foi mencionada e ele não desmentiu. Nem confirmou.
Roberto é conhecido por sua maneira oblíqua de responder as perguntas. Ele não abre o jogo. Mas faz brincadeiras e, aos poucos, seu rosto ilumina-se e recobra o antigo magnetismo.
Durante 45 minutos, ele respondeu a quase 70 profissionais que lotavam uma sala da cobertura do hotel, com vista para o mar. No final, o cantor, que já havia declarado que ainda não estava recomposto o suficiente para retomar a vida artística, pôs-se a chorar e a conversa teve que ser interrompida. Veja abaixo os principais trechos da entrevista. (ANDRÉ SINGER)

Pergunta - Nesse período em que você ficou afastado, surgiu uma história de que você teria pensado em se ordenar sacerdote. Isso tem alguma procedência?
Roberto Carlos -
Não, nenhuma. Não pensei nisso, não. Pode ser que até em algum momento muito passado, eu tenha até pensado, mas nunca falei, para ninguém. Então não sei como é que souberam (risos). Mas isso foi um flash na minha cabeça, não passou disso. Eu nunca pensei realmente em ser padre.
Naturalmente, em um momento difícil da vida gente, em que a gente fica preocupado com o futuro, em um momento assim... meu Deus do céu, o que é que eu faço? Viro padre..., sei lá... Mas nunca pensei nisso assim de forma concreta.

Pergunta - Na música "Tu És a Verdade, Jesus", há uma frase que fala "continuo a caminhar". Você não precisa de dinheiro, de fama, de sucesso. O que é que te faz voltar? Existiu um conselho de amigo? Além da sua fé, que o faz seguir em frente? O que é que o move?
Roberto -
A gente tem que seguir em frente. A gente tem que cumprir o que a gente veio fazer aqui. Seguindo em frente, estou fazendo aquilo que deve ser feito e, com certeza, aquilo que Maria Rita, meu bichinho, quer que eu faça. Isso é o principal.

Pergunta - Você diz que a crítica não percebe as mudanças que você faz de disco para disco. Depois de quatro anos sem lançar um disco só com material inédito, que mudanças virão nesse que sai agora?
Roberto -
Nesse disco, eu não pensei em mudanças. Nem sutis, nem drásticas. Eu só pensei numa coisa. Fazer um disco de amor, um disco que só fale de amor, que seja ele, num todo, uma declaração de amor, porque esse disco é feito para Maria Rita. O principal propósito desse disco é que ele fale de amor, que evite falar de coisas tristes, porque eu tenho certeza que a Maria Rita quer que eu fale de amor e não fale de sofrimento, não fale em dor e coisas parecidas. Num momento, eu achei que era difícil fazer um disco assim, mas aí comecei a perceber que estava surgindo, eu estava driblando....
Ele pode ter alguma tristeza nas entrelinhas, mas nas linhas só tem frases de amor e frases de amor presente, tratando tudo de uma forma direta. Não sei bem como explicar, só ouvindo o disco, mesmo. Então isso foi difícil, porque quando a gente compõe a gente faz concessões. Você está compondo uma música, você fala de amor e amor rima com dor. Aí, de repente, você quer dizer uma coisa, mas fica muito difícil e a gente modifica um poquinho. Nesse disco, não. Nesse disco eu segui o meu objetivo, ali. As composições ficam mais difíceis quando a gente tem uma meta muito rígida e não admite que coisas essas e aquelas sejam usadas para facilitar a composição. Mas eu consegui. Mesmo na canção dos outros compositores eu estou tendo o mesmo critério. Esse disco só fala de amor bem-sucedido.

Pergunta - Você ficou bem de cabelo branco. Não passou pela tua cabeça deixar assim?
Roberto -
Passou pela cabeça, sim. Mas eu já estava muito acostumado com o meu cabelo grisalho, então não quis voltar com uma mudança tão drástica. Talvez daqui para frente a gente vai deixando, pouco a pouco. Fazendo uns reflexos prateados, qualquer coisa, assim. Quis ser como eu sempre fui, por várias razões e por uma razão principal: a Maria Rita sempre me viu de cabelo grisalho.

Pergunta - Você foi visto recetemente na capa de uma revista com uma imagem depressiva. Você está preocupado em mudar essa imagem?
Roberto -
Eu não fiquei deprimido. Eu nunca tive depressão. Eu tenho tristeza e saudade, um negócio muito grande. Tenho chorado muito, muito. Mas eu não tenho estado depressivo. Depressivo é aquele que não quer saber de nada. Fica prostrado. Essa prostração, eu nunca tive. Eu sempre reagi e tenho tratado de fazer as minhas coisas, com muita dificuldade, porque, na verdade eu não estou preparado para começar, ainda não. Para retomar a minha vida artística. Eu tenho sentido isso nas dificuldades que eu tenho tido no meu trabalho. O meu emocional está muito mexido ainda. Não estou pronto para isso, mas eu preciso fazer força para ficar bem. O contato com o público, o carinho do público, a energia do público, eu tenho certeza que vai me ajudar muito. Então eu disse: não posso mais adiar essas coisas, eu tenho que fazer do jeito que eu estou. Eu sempre digo que a minha platéia é minha família.
Eu tenho chorado muito e às vezes chego no estúdio para botar a voz e é difícil botar a voz, porque quando a gente chora a voz muda um pouco, o nariz fica congestionado. Mas essas coisas têm sido superadas. Não grava às 3h da tarde, grava às 2h da manhã e vai fazendo.

Pergunta - No ano que vem você faz 60 anos e há três projetos: um songbook, uma biografia autorizada e um disco de música sertaneja. Você poderia falar sobre esses projetos.
Roberto -
O disco sertanejo eu comecei em fevereiro e aí vi que era difícil. Fiz quatro músicas e a gente parou porque tinha que fazer o disco de fim-de-ano. Okky de Souza, o meu amigo Okky, vai fazer a biografia. E o songbook tem que pensar. É muita coisa para eu decidir tão rapidamente.

Pergunta - O que te ajudou a superar a dor?
Roberto -
Minha família, meus amigos, meus filhos, o trabalho. As orações, o reiki. Tudo isso têm me ajudado. Esse colo que o Brasil tem me dado, tem me ajudado muito.
Pergunta - Deus tem estado com você nesses sofrimentos e alegrias?
Roberto - Esse negócio de dizer "fique tranquilo porque isso é da vontade de Deus", eu descobri que não é bem assim. Pirincipalmente quando se trata de sofirmento. Quando alguém diz: "Fique tranquilo porque esse sofrimento que você está tendo é da vontade de Deus". Eu não creio nisso. Deus não nos maltrata, porque nenhum pai maltrataria e daria um sofrimento a um filho. Deus tem me dado força para superar o sofrimento, mas Deus não nos dá sofrimento. Deus realmente bom e justo. Deus não dá a dor, dá a endorfina.
Pergunta - O seu carisma é comparado ao de Elvis Presley e Frank Sinatra. Como você se sente?
Roberto - Não tenho essa pretensão. Procuro fazer as coisas do jeito certo. Eu não tenho essa pretensão. Eu apenas canto.
Pergunta - Você poderia as mudanças políticas que ocorreram nas últimas eleições?
Roberto - É muito difícil comentar o resultado das eleições, porque a gente só vai saber depois o trabalho das pessoas que foram eleitas. Votar é muito delicado porque a gente não sabe se o candidato vai corresponder às nossas expectativas.
Pergunta - Como você a participação nos movimentos sociais e comunitários? Você com o seu carisma e influência tem algum papel em ajudar o Brasil de hoje?
Roberto - O importante não é só o artista se manifestar nas opotunidades que ele tem, mas opinar de modo pensado e equilibrado. As pessoas têm opiniões que nem sempre são certas. Ele tem que ter certeza da responsabilidade da opinião que ele está dando, senão é melhor ele ficar quieto.
Pergunta - Você não teme que o público santifique a sua imagem?
Roberto - Não tenho essa pretensão. Eu sou um espectador de mim mesmo. As músicas religiosas que eu tenho feito falam do meu sentimento, do meu pensamento, partindo das minhas necessidades.
Pergunta - Como você classifica este momento da sua vida?
Roberto - A minha vida hoje é difícil porque eu tenho que enfrentar tudo isso...(choro)...sem a presença física da pessoa que eu mais amo. Sem a presença física da pessoa que é o que há de mais importante, mais bonito e mais precioso que eu conheço. É difícil de encarar a vida dessa forma. Mas por se tratar desse amor sem limite, que é o meu amor e o da Maria Rita, eu luto e trato de superar todas as dificuldades.


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