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CRÍTICA
Incerteza e memória definem documentário
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Luís Sérgio Person morreu em
1976, um mês antes de completar 40 anos. Deixou uma obra
cinematográfica curta, porém extremamente significativa. Deixou
também uma família, mulher e
duas filhas.
É preciso começar dizendo essas coisas porque "Person" não é
obra de um crítico, de um admirador ou amigo, mas de Marina,
uma das filhas que ele deixou ao
morrer. Por isso, "Person" não é
um documentário "sobre" o cineasta, mas "em busca" dele.
Como se sabe, Marina cresceu e
apareceu. Trabalha na MTV e é
mais conhecida do que o pai. Domingas, sua irmã, também é jornalista de televisão. Hoje bem
crescidas, quando falam do pai
ainda sente-se nelas uma fragilidade sem fim, como se a privação
da presença paterna ainda não tivesse deixado de atingi-las.
Como eram pequenas, ambas
quase só conheceram o pai indiretamente, pela obra que deixou, e
pela fama. Uma parte desses filmes é profissional e bem conhecida: "São Paulo S/A", "O Caso dos
Irmãos Naves" -para ficar apenas nos mais clássicos. Há também os filmes íntimos, familiares:
cenas de Person à beira da piscina,
brincando com as filhas, carregando-as etc.
E existe, por fim, a fama. Marina
vai em busca das pessoas que o
conheceram. Há os atores, como
Raul Cortez, Walmor Chagas,
Sergio Mamberti (entre outros),
os cúmplices, como Glauco Mirko Laurelli, os companheiros de
trabalho, como o fotógrafo Ricardo Aronovich, os alunos, como
Carlos Reichenbach.
Cada um teve de Person um tipo de experiência. É com isso que
Marina Person procura compor
seu mosaico, a imagem de um pai
que quase não conheceu. Para
certas questões, é preciso buscar a
fonte mais autorizada, sua mãe,
Regina Jeha. Em outros momentos, as irmãs parecem consultar-se mutuamente, perguntando se a
lembrança que têm de tal episódio vem mesmo do episódio ou
de relatos posteriores.
A lembrança que guardam Marina e Domingas é de uma existência familiar feliz, interrompida
brutalmente pelo acidente automobilístico que matou o cineasta.
Mas elas eram muito meninas,
não têm muita certeza. É isso, enfim, que define o documentário: a
incerteza e a memória, a memória
ao mesmo tempo do grande cineasta, do pai carinhoso, do homem de temperamento forte.
Todos os depoimentos, no
mais, convergem para lá: a personalidade marcante, as idéias claras, a franqueza, a afetividade.
Sim, mas todos os depoimentos
empilham-se, não compõem
nunca um pai, não o substituem.
Não eliminam a sua ausência.
Em troca, evidenciam sua falta.
E é nisso, nessa falta, que todos
nos entendemos: os que já perderam um parente próximo, tanto
quanto os que admiram a obra de
Luís Sérgio Person, sabem muito
bem do que se fala. E do que este
documentário fala muito bem.
Person
Produção: Brasil, 2003
Direção: Marina Person
Quando: hoje, às 20h30, no MIS (av.
Europa, 158, SP, 0/xx/11/3062-9197;
grátis); sábado, às 21h, na TV Cultura
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