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São Paulo, quinta-feira, 13 de novembro de 2003

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CRÍTICA

Incerteza e memória definem documentário

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Luís Sérgio Person morreu em 1976, um mês antes de completar 40 anos. Deixou uma obra cinematográfica curta, porém extremamente significativa. Deixou também uma família, mulher e duas filhas.
É preciso começar dizendo essas coisas porque "Person" não é obra de um crítico, de um admirador ou amigo, mas de Marina, uma das filhas que ele deixou ao morrer. Por isso, "Person" não é um documentário "sobre" o cineasta, mas "em busca" dele.
Como se sabe, Marina cresceu e apareceu. Trabalha na MTV e é mais conhecida do que o pai. Domingas, sua irmã, também é jornalista de televisão. Hoje bem crescidas, quando falam do pai ainda sente-se nelas uma fragilidade sem fim, como se a privação da presença paterna ainda não tivesse deixado de atingi-las.
Como eram pequenas, ambas quase só conheceram o pai indiretamente, pela obra que deixou, e pela fama. Uma parte desses filmes é profissional e bem conhecida: "São Paulo S/A", "O Caso dos Irmãos Naves" -para ficar apenas nos mais clássicos. Há também os filmes íntimos, familiares: cenas de Person à beira da piscina, brincando com as filhas, carregando-as etc.
E existe, por fim, a fama. Marina vai em busca das pessoas que o conheceram. Há os atores, como Raul Cortez, Walmor Chagas, Sergio Mamberti (entre outros), os cúmplices, como Glauco Mirko Laurelli, os companheiros de trabalho, como o fotógrafo Ricardo Aronovich, os alunos, como Carlos Reichenbach.
Cada um teve de Person um tipo de experiência. É com isso que Marina Person procura compor seu mosaico, a imagem de um pai que quase não conheceu. Para certas questões, é preciso buscar a fonte mais autorizada, sua mãe, Regina Jeha. Em outros momentos, as irmãs parecem consultar-se mutuamente, perguntando se a lembrança que têm de tal episódio vem mesmo do episódio ou de relatos posteriores.
A lembrança que guardam Marina e Domingas é de uma existência familiar feliz, interrompida brutalmente pelo acidente automobilístico que matou o cineasta. Mas elas eram muito meninas, não têm muita certeza. É isso, enfim, que define o documentário: a incerteza e a memória, a memória ao mesmo tempo do grande cineasta, do pai carinhoso, do homem de temperamento forte.
Todos os depoimentos, no mais, convergem para lá: a personalidade marcante, as idéias claras, a franqueza, a afetividade. Sim, mas todos os depoimentos empilham-se, não compõem nunca um pai, não o substituem. Não eliminam a sua ausência.
Em troca, evidenciam sua falta. E é nisso, nessa falta, que todos nos entendemos: os que já perderam um parente próximo, tanto quanto os que admiram a obra de Luís Sérgio Person, sabem muito bem do que se fala. E do que este documentário fala muito bem.


Person   
Produção: Brasil, 2003
Direção: Marina Person
Quando: hoje, às 20h30, no MIS (av. Europa, 158, SP, 0/xx/11/3062-9197; grátis); sábado, às 21h, na TV Cultura



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