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GUILHERME WISNIK
Hábitos e "habitat"
Exposição no Museu da Casa Brasileira explora pesquisas sobre os usos e costumes das moradias dos brasileiros
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COMO UMA cultura se forma na
relação que estabelece com a
terra, o terreno, o terrritório?
Como é que os hábitos se fixam no
"habitat" e vice-versa? Que elementos da "urbanidade" rural sobrevivem na intimidade doméstica das
moradias da cidade? Há, ou houve,
uma dignidade popular maculada
pela invasão do kitsch urbano?
Essas e outras perguntas rondam
a mostra "Casas do Brasil 2006",
que está no Museu da Casa Brasileira, em São Paulo, até dia 26 deste
mês. Com curadoria do arquiteto e
pesquisador Carlos Lemos e do historiador Ulpiano Bezerra de Menezes, ambos professores eméritos da
USP, a exposição aborda o tema
através do trabalho de quatro fotógrafos: Anna Mariani, Iêda Marques, João Urban e Andrés Otero.
Focalizando os interiores de casas
semi-rurais no Ceará, Bahia, Paraná
e Rio Grande do Sul, respectivamente, a exposição coloca em pauta o significado do próprio museu, sediado
em um palacete neoclássico no bairro do Jardim Paulistano. E, desse
modo, dá seqüência às pesquisas sobre os usos e costumes da "casa brasileira" que, nos anos 70, deram origem ao MCB.
Focalizando vilarejos nordestinos, Anna Mariani e Iêda Marques
encontram construções forjadas na
matriz mais antiga da nossa cultura
popular: o híbrido luso-índio-africano, com traços fortes da presença
árabe na Península Ibérica.
Construídas muitas vezes com taipa de mão e pisos de terra batida, essas casas protegem seus interiores
na semi-escuridão, iluminada apenas por frestas de luz nas telhas, e
pela chama eterna do fogão à lenha
em torno do qual se organiza toda a
vida familiar.
Já João Urban e Andrés Otero retratam comunidades de imigrantes
no sul do país: poloneses no Paraná e
italianos no Rio Grande do Sul. Aqui,
troca-se o caboclo sertanejo pelo colono lavrador. Com isso, também, os
fogões de alvenaria pelos industrializados de chapa metálica.
Trazem muitas vezes, junto com
eles, as cortininhas rendadas nas janelas e os bancos-baú para guardar
pratos e panelas. No caso das comunidades polonesas, com uma profusão de arranjos decorativos (estampas, vasos de flor, imagens de santos,
velas) que se somam ao ritmo vertical das ripas de madeira internas, na
tradição das "dátchas" eslavas.
No caso das colônias italianas,
construções conservam a severidade mediterrânea tanto na pedra bruta das paredes quanto no mobiliário
despojado de madeira e no piso de
tábua corrida.
O resultado final, evidentemente,
é insuficiente para descrever a multiplicidade dos modos brasileiros de
morar. No entanto, é um passo inicial promissor na intenção de formar um inventário visual sobre o tema, com exposições anuais que ampliem seu enfoque e abrangência.
Para tanto, será vital evitar qualquer suspeita de idealização da pureza popular ou exotismo folclórico.
Afinal, o "morar brasileiro" também
está presente nos condomínios de
luxo suburbanos, nas quitinetes dos
prédios de alta densidade, nas vilas
operárias, nas favelas, nos assentamentos dos sem-terra e na ausência
de casa dos moradores de rua.
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