São Paulo, sábado, 13 de dezembro de 2008

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LIVROS

Crítica/ "A Segunda Vez que te Conheci"


Paiva se fixa como "autor de geração"

Com narrativa veloz de "A Segunda Vez que te Conheci", Marcelo Rubens Paiva expõe relações humanas no Brasil urbano

MOACYR SCLIAR
COLUNISTA DA FOLHA

Não há, neste país quem não se emocione com a história de Marcelo Rubens Paiva. É a trajetória de um jovem, nascido em 1959, cujo pai, deputado, desapareceu durante a ditadura militar e a quem um acidente deixou inválido aos 20 anos.
E, apesar de tudo isso, Marcelo, um lutador, foi em frente, com determinação e bravura, fazendo literatura, jornalismo, dramaturgia. Publicou cinco romances: "Feliz Ano Velho" (1982, Prêmio Jabuti); "Blecaute" (1986); "Uabrari" (1990); "Bala na Agulha" (1992) e "Não És Tu, Brasil" (1996); ganhou vários prêmios, foi traduzido para o inglês, espanhol, francês, italiano, alemão e tcheco. Dá-nos agora o romance "A Segunda Vez que te Conheci", que sai pela editora Objetiva e o consagra como um dos bons autores de sua geração.
O que, exatamente, significa isso? Significa uma temática e um estilo peculiares.
Os escritores dos anos 30, como Jorge Amado, Graciliano Ramos, José Lins do Rego e Rachel de Queiroz, falavam de um Brasil rural, de camponeses pobres, da injustiça social -muitos deles eram politicamente engajados, numa época em que as idéias comunistas fascinavam os intelectuais. Nos anos 70, à causa social juntou-se a luta pela liberdade de expressão: era o período da ditadura militar.
Marcelo Rubens Paiva vive num Brasil diferente, um Brasil urbano, com uma classe média em crescimento e já não motivada ideologicamente. Que temática ganha relevo nessa conjuntura? É a temática das relações humanas, dos afetos, das paixões. E é exatamente disso que Marcelo Rubens Paiva nos fala em seu romance.
Nele encontramos o jornalista Raul, que trabalha numa importante revista, e sua mulher Ariela, filósofa, terminando um casamento de seis anos. Raul substitui Ariela por Fabi, amiga do casal, de quem se separa também; em seguida, perde o emprego e, de repente, vê-se como agenciador de prostitutas, profissão para a qual as cidades brasileiras sempre oferecem mercado e que, no livro, se traduz em cenas reveladoras e perturbadoras.
Porque -e este é um dos pontos altos do livro- Marcelo está em terreno familiar: a Redação da revista, a cidade de São Paulo, com seus contrastes e sua violência; as descrições do submundo da prostituição, tudo isto é oportunidade para que ele exercite, junto com a ficção, sua vocação jornalística.

Narrativa veloz
É uma narrativa veloz, a sua, uma narrativa que prende o leitor, sobretudo graças à linguagem coloquial e autêntica, aos vívidos diálogos e também ao amargo e irônico humor, que nunca falta, aparecendo, por exemplo, num texto intitulado: "A maldição do jornalista" e que consta de vários itens, tais como: "Sonhará com sua matéria. E não raro mudará o título dela e algumas palavras enquanto dorme".
Isso não impede que haja também lirismo e ternura, por exemplo, na passagem que mostra a reconciliação de Raul com Ariela (e que explicará o título do romance).
"A Segunda Vez que te Conheci" mostra um escritor que prossegue com determinação e competência no caminho que se traçou. Um caminho que, de alguma forma, nos ajuda a redescobrir o Brasil.
Não é o Brasil dos anos 30 nem o Brasil dos anos 70. É um outro Brasil, surpreendente, perturbador. E que, por isso mesmo, precisa de intérpretes como Marcelo Rubens Paiva.


A SEGUNDA VEZ QUE TE CONHECI
Autor:
Marcelo Rubens Paiva
Editora: Objetiva
Quanto: R$ 29,90 (191 págs.)
Avaliação: bom



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