São Paulo, quinta, 14 de janeiro de 1999

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ARTES PLÁSTICAS
Weissmann esculpe 5 décadas em aço

Leonardo Colosso/Folha Imagem
O escultor Franz Weissmann visto através do "Cubo Vazado" (1951), que integra retrospectiva no MAM-SP


FERNANDO OLIVA
da Redação

Um dos maiores escultores brasileiros entra timidamente, quase envergonhado, na exposição, como se esta não fosse a maior retrospectiva já realizada de sua obra.
Franz Weissmann tem 87 anos. É um dos vértices da tríade sagrada da escultura moderna brasileira, com Amilcar de Castro e Sérgio Camargo. No Museu de Arte Moderna, ele olha atentamente cada peça ali colocada. Uma após a outra, elas atravessam mais de 50 anos de produção ininterrupta (1945 a 1998) e ocupam 900 m2 em quatro salas do museu.
A mostra, que estava dividida entre o Centro Cultural Banco do Brasil e o Museu de Arte Moderna do Rio até o mês passado, abre hoje para convidados e amanhã para o público no MAM-SP.
Weissmann anda entre as obras enquanto fala, passa suavemente a mão nas esculturas. O homem modesto cede então espaço ao artista apaixonado, vaidoso até, que acaricia discretamente as peças.
"De qual gosto mais? É difícil escolher, cada uma tem o seu caminho, o seu sofrimento..." O escultor decide ser fotografado ao lado do "Módulo Neoconcreto" (veja nesta página). Apóia o braço na escultura de aço de 1,80 m de altura, realizada no final dos anos 70, e firma o olhar para a câmera.
Quem fala com o homem Weissmann se aproxima do artista Weissmann. É simples então entender a elegância de suas esculturas -a monumentalidade de "Coluna sem Fim" (1968), de quase três metros, rejeita qualquer grandiloquência. Um ímpeto contido perpassa cada obra -é o tal "timbre austero" anotado pelo poeta Murilo Mendes em 1963.
Difícil também imaginar Weissmann abatendo "no muque" a série de grossas chapas de alumínio batizada "Amassados", martelando-as até entortá-las e criando reentrâncias e relevos que chegam a 20 cm. Se, no limite, o mundo pode estar contido nas dimensões dessas chapas, o escultor teve nas mãos o poder de destruí-lo e reconstruí-lo a sua maneira.
² Vanguarda
Franz Weissmann, artista forjado na transição do figurativismo modernista para a abstração geométrica, teria motivos de sobra para se gabar de sua trajetória.
Tudo começou para valer com o "Cubo Vazado" (1951), obra decisiva para que ele se tornasse um dos nomes centrais do abstracionismo geométrico no Brasil.
Quatro anos depois, passou a integrar o grupo Frente ao lado dos principais artistas da vanguarda concretista no Rio, como Lygia Clark, Hélio Oiticica, Lygia Pape e Aluísio Carvão.
Em 1959 assinou o célebre "Manifesto Neoconcreto", rompimento do grupo do Rio com o concretismo internacional e o movimento concretista de São Paulo.
Nos anos 60, reafirmando seu percurso único nas artes brasileiras, introduz a cor nas obras. Vermelhas, amarelas, azuis, as peças adquirem um caráter lúdico e acentuam seu diálogo com o entorno.
Também foi pioneiro na idéia de que uma escultura em espaço público não precisava estar ali para comemorar alguma data, mas simplesmente por suas próprias qualidades -sua forma e a maneira como interage com o espaço.
Eclético, projetou em 1968 o design e o visual de um ônibus para a empresa carioca Ciferal. O Líder 2001, que chegou a circular pelas ruas do Rio de Janeiro, era pintado de roxo por fora, tinha cortinas e poltronas verde-musgo e teto cinza esverdeado.
Na primeira metade dos 90, criou esculturas que lembravam os planos coloridos de Mondrian, mas na verdade eram, mais uma vez, variações sobre a forma do cubo. A série, apelidada "Mondrianas", não foi inspirada no pintor holandês, e muito menos é uma homenagem, explicou o artista em entrevista à Folha (leia nesta página).
Mas a vida de Weissmann não foi construída apenas de projetos bem-sucedidos. Sempre à sua revelia, às vezes viu o trabalho de décadas ser tragicamente destruído.
Em 1956, o "Cubo Vazado" (1951), sua primeira obra radicalmente construtiva, emblemática de sua produção no período e que o tornaria célebre, é destruído acidentalmente na fábrica de carrocerias para ônibus Ciferal, espaço que o artista usava como ateliê. A versão exposta nesta retrospectiva é uma reprodução em aço de 1981.
Durante viagem a São Paulo, em 1957, o ateliê de Weissmann, que na época morava em Belo Horizonte, foi revirado pela polícia, que decidiu ocupar suas dependências para transformá-lo em uma cadeia. Entre peças de barro, estudos, desenhos e projetos, cerca de dez anos de trabalho foram destruídos. Avisado, o artista retornou à cidade e, enfurecido, reclamou da destruição com as autoridades locais. Acabou preso.
Em 1962, teve uma obra pública destruída no Rio durante o governo de Carlos Lacerda -o "Monumento à Liberdade de Expressão do Pensamento". Atualmente, tem suas esculturas espalhadas por várias capitais brasileiras.
Já em 1983, trabalhando em um galpão na cidade do Rio depois da crise falimentar da Ciferal, teve cerca de 80 obras suas roubadas. Depois descobriu que as esculturas estavam sendo vendidas para um ferro-velho do subúrbio.
Weissmann é hoje um dos artistas brasileiros mais valorizados no mercado de arte. Uma peça das décadas de 50 ou 60 pode custar até R$ 100 mil, ao passo que as obras mais em conta ficam em torno de R$ 8.000. Esculturas de sua produção mais recente, como as da série "Mondrianas", não saem por menos de R$ 25 mil.
No mês que vem, o Gabinete de Arte Raquel Arnaud, que representa o artista em São Paulo, abre mostra paralela com 15 peças, entre esculturas, desenhos e relevos.
²
Mostra: Franz Weissmann - Uma Retrospectiva Vernissage: hoje, a partir das 19h Quando: ter. a sex., das 12h às 18h (qui., até 22h); sáb. e dom., das 10h às 18h; até 14/3 Onde: MAM-SP (pq. Ibirapuera, portão 3, região sudoeste, tel. 011/549-9688) Quanto: R$ 5 (grátis às terças, para menores de 10 ou acima de 65 anos) Apoio: Centro Cultural Banco do Brasil Patrocinador: Petrobrás



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