|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LIVRO/ LANÇAMENTO
"Cartas Vienenses" reúne quase 200 correspondências do compositor ao pai, mulher e amigos
Cartas de Mozart mostram seu lado kafkiano
IRINEU FRANCO PERPETUO
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Ele não deu entrevista nem
ao Larry King, nem ao Jô Soares, não deixou diário nem autobiografia, nem escrevia tratados
de estética ou crítica musical.
Tendo seu nome evocado sempre
que se emprega o adjetivo "gênio", Mozart expressou-se mesmo foi por música, e a principal
documentação verbal sobre sua
vida vem da correspondência
com a família.
E que correspondência! Os especialistas estimam em quase
1.200 as cartas da família Mozart
no período 1755-91, enquanto as
missivas da viúva e da irmã do
compositor, escritas após a sua
morte, perfazem a cifra de 400.
Sobre nenhum compositor do
século 18, ou anterior, subsiste tão
vasta correspondência, e, deste
vasto "corpus", a editora Veredas
resolveu lançar as "Cartas Vienenses", pouco menos de 200
missivas abrangendo seu período
musicalmente mais significativo.
Algo artesanal, a edição é simpática, traz notas de rodapé elucidativas e um apêndice resumindo a
biografia do compositor; mas faz
falta um índice onomástico.
O compositor chegou à capital
austríaca aos 25 anos de idade,
tendo apenas completado a ópera
"Idomeneo", que ocupa o número 366 em seu catálogo. Pois bem:
na década vienense, seriam cerca
de 300 obras e praticamente todas
aquelas que viriam a garantir seu
lugar de destaque na história da
música.
Natural de Salzburgo, na Áustria, Mozart era empregado do arcebispo Hieronymus Colloredo, a
exemplo de seu pai, Leopold, que,
durante a vida inteira, foi o principal mentor e incentivador da carreira musical do filho.
Leopold Mozart foi uma referência indispensável para o filho,
e a correspondência dele com o
progenitor constitui não apenas a
parcela mais volumosa, mas também a mais interessante de seus
dez últimos anos de vida.
Estão lá questões estéticas, "insights" sobre suas próprias obras,
sobre outros compositores, sobre
intérpretes de sucesso e a prática
musical da época. Tudo isso, é claro, entremeado por um ir e vir entre nobres, em busca de alunos,
encomendas de obras, caça a assinantes para concertos públicos e a
luta por um emprego estável, que
nunca chega. Mozart também era
chegado numa fofoca, maldiz
Colloredo e Salieri o tempo todo,
teme ser lesado pelos copistas e
procura o tempo todo justificar
escolhas que ele sabe de antemão
serem desaprovadas por seu pai.
De Leopold, infelizmente, as
respostas se perderam. E, depois
de sua morte, em 1787, não apenas o volume, como o interesse da
correspondência cai consideravelmente. Mesmo o humor meio
infantil mozartiano, feito de escatologia, escrita cifrada e uma miscelânea de idiomas cede aos lugares comuns; só lemos Mozart discutir assuntos domésticos com
sua mulher, Constanze, e fazer pedidos de dinheiro cada vez mais
insistentes ao amigo maçom Johann Michael Puchberg.
Como Kafka, Mozart parece ter
cometido sua grande obra epistolar escrevendo ao pai, e seria tentador ler as partituras compostas
após o falecimento de Leopold como cartas a este, na posteridade.
Cartas Vienenses
Autor: Wolfgang Amadeus Mozart
Tradução: Gabor Aranyi
Editora: Veredas
Quanto: R$ 49 (296 págs.)
Texto Anterior: Política cultural: Evento pede regulação com liberdade Próximo Texto: Trechos Índice
|