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"ESTRELA-GUIA"/CRÍTICA
Ecologia espiritual da novela não responde aos anseios do mundo
ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA
A chamada do "SP TV",
transmitida no primeiro intervalo comercial do capítulo de
estréia de "Estrela-Guia", anteontem, sintetiza o argumento da nova novela das seis. Chico Pinheiro
conclamou os telespectadores,
sintonizados no primeiro capítulo do folhetim sobre "os dilemas
da vida moderna", a continuarem
ligados em problema que vem
afetando o cotidiano dos paulistanos: as revoltas na Febem.
As imagens chocantes de guerra
urbana, da reportagem, contrastam com a atmosfera de fábula
que envolve Cristal, a personagem de Sandy. Fruto da união de
um profissional do mercado financeiro que desiste de tudo para
viver em comunidade junto aos
herdeiros de 68, ao som de "Imagine", de John Lennon, e ao lado
de sua companheira, americana,
astróloga e linda, Sandy-Cristal
encarna a Branca de Neve, a Bela
Adormecida e a Estrela-Guia.
Algumas cenas da novela lembram o filme de Walt Disney.
Cristal cercada de pássaros amigos na floresta. A luz encantada,
as cores pastéis, e a bondade suprema, quase santa, que caracteriza a personagem criada longe das
mazelas do mundo, em harmonia
com o pai, a mãe e as paisagens
bucólicas das grutas e cachoeiras
do interior mato-grossense.
Mas Branca de Neve vive na floresta uma fase liminar de sua vida,
órfã e condenada pela madrasta.
Já na novela, a família preenche o
universo da fábula que caracteriza
o prólogo da história, universo
prestes a desaparecer, em um cataclismo de novela, que deixará a
personagem órfã.
Cristal tem um pouco de Bela
Adormecida. Mas, em vez de picar o dedo e adormecer o sono
profundo, do qual só o seu príncipe será capaz de tirá-la, Cristal
acordará, nos próximos capítulos, para o universo da barbárie
urbana. E a história se desenvolverá até que o equilíbrio se refaça.
As regras que estruturam o melodrama, gênero que, há séculos,
acompanha a modernidade, aparecem nesse capítulo, com precisão impressionante. Elas organizam a crônica do esvaziamento
do cotidiano dos que vivem nos
congestionamentos, guiados, não
pela estrela da espiritualidade,
mas pela fissura desmedida do jogo econômico, que justifica a destruição das coisas belas.
Ao final, poderíamos respirar
aliviados se, fora do universo televisivo, o mundo não estivesse
sendo regido por opções maniqueístas. Mas o recado de Chico
Pinheiro permanece. E, além dele,
a conexão da estrela que dá título
à novela à estrela que interpreta a
personagem, fazendo a ponte diária entre o reino do cotidiano, elaborado pelo folhetim eletrônico, e
os acontecimentos documentados no jornal.
O capítulo destaca o talento da
equipe. Mas a defesa moralista de
uma ecologia espiritual não responde ao anseio de abertura às
complexidades contraditórias do
mundo que inspira os anseios
contemporâneos. Vale torcer por
narrativas que fujam à fórmula.
Avaliação:
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