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São Paulo, sexta-feira, 14 de março de 2003

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ERIKA PALOMINO

PARIS FAZ A CRIAÇÃO FIRME E FORTE

Pierre Verdy/France Presse
Carmen Kass em look de Tom Ford para Yves Saint Laurent


Uma moda cada vez mais autoral, em que se destacam características pessoais de cada marca ou estilista, contra a mera confirmação e sequência de tendências. É a mensagem da temporada de desfiles de outono-inverno 2003/2004 em Paris, encerrada oficialmente ontem com o desfile do brasileiro Walter Rodrigues, o último do último dia. Com sua diversidade, as apresentações da cidade aprovam a multiplicidade de escolhas oferecidas hoje. Em tempos de crise, o prêt-à-porter deve criar cada vez mais o desejo de moda e de consumo. E isso foi alcançado. Nesta página você tem uma síntese dos mais importantes momentos da temporada francesa, que traz uma imagem de mulher feminina, mas forte. Menos romântica que em outras estações, talvez mais preparada para os tempos difíceis da vida real (o medieval é hype da hora).
Ao mesmo tempo, os criadores olham para uma imagem de elegância que vem, em sua grande parte, justamente do período pós-guerra, com o glamour 40/50. Buscando praticidade, as mulheres tomam emprestadas peças do guarda-roupa masculino, numa vontade de moda que traz junto o tweed, que, por sua vez, traz o gráfico, o optical e o xadrez. Cashmeres e peles emprestam luxúria, enquanto a suavidade do cetim traz sensualidade, como a renda e o boudoir. Essa sofisticação reforça a história de looks vindos da alta-costura, vistos agora com nonchalance esportiva. Na silhueta, evolui a idéia (de Galliano) dos volumes grandes em cima, e calças skinny embaixo, tendendo mesmo para a forma do legging.
Falou em legging, falou em 80, e vem daí as grandes mangas à la Montana e Mugler, e o jeito de embrulhar o corpo à la Azzedine Alaïa. Ah, e os 60, que continuam firmes e fortes.

palomino@uol.com.br

HELMUT LANG: SEXY E URBANO
Ao som de uma exótica cantoria de Louise Bourgois, amiga do estilista, as modelos de Helmut Lang desfilam de rosto limpo. Azul, preto e cinza, no melhor do utilitário chic, que desta vez vem com o conforto como aspecto marcante, em muito cashmere e fleece (moletom), muitas vezes segurando com velcro. Lang traz recortes que desenham o corpo e calças bem justas com fitas laterais, perneiras e botas altas. A silhueta é quase futurista, mas poética, como o final tipo roupa de fada urbana, com cetim e organza em off-white (ou seria white? Passam tão rápidas as meninas...), com tiras cruzadas e musseline picotada. Outra vez: um dos desfiles mais fortes da estação e um show de edição.

TOM FORD FAZ DE NOVO PARA YSL
Foi pura paixão pela moda o desfile de Tom Ford para a linha Rive Gauche de Yves Saint Laurent. Pela primeira vez, o estilista americano se permite entrar com mais agressividade num dos territórios em que o mestre YSL era especialista: as cores. O desfile começa, ao som das Supremes, onde Diana Ross empresta voz e inspiração para o penteado de parte das garotas, como a brasileira Ana Paula Araujo (modelo black que desfilou de seios nus para a Rosa Chá no verão 2001). A brincadeira retrô veio leve, sexy e deliciosamente fashion, em sandálias coloridas com saltos de acrílico com purpurina dentro (hit total) e meia arrastão servindo de base para todos os looks. Puro fetiche, em casacos de pele, trenchs, batom vermelho, boudoir chic e muita renda, na referência que vem da coleção de 1971 do estilista, por sua vez remetendo aos anos 40. Foi um momento fashion ver Carmen Kass em seu vestido de renda transparente, e o Planeta Fashion precisa desse tipo de estímulos. Colares, megagargantilhas e braceletes de plástico com pedrarias e brilhos conferiam o caráter exótico e contemporâneo do look.

VIKTOR & ROLF CLONA TILDA SWINTON
Numa espécie de retrospectiva de seus dez anos de trabalho, a dupla holandesa Viktor Horsting e Rolf Snoeren encheu a passarela de clones de Tilda Swinton, e a própria atriz de "Orlando" abriu o desfile. "Be yourself, follow your own path" (seja você mesmo, siga seu próprio caminho), declamava, na trilha sonora. E foi o que fizeram, exercitando-se nos elementos do guarda-roupa masculino e na linha fina da couture, num futurismo andrógino, em que o trabalho de volumes e de silhueta aparece nas roupas, feito marca d'água. Apareceram as famosas camisas brancas em grandes golas e mangas, enquanto a alfaiataria esportiva era levada às últimas consequências, numa coleção que ainda assim traz peças usáveis e desejáveis. A sobreposição de várias camadas foi o brilhantismo, no look de casacos sobrepostos e nas pétalas feitas com camisas, num degradê do branco ao preto.

ALEXANDER MCQUEEN REINA NA NEVE
Alexander McQueen dá mais um de seus tapas de pelica no mundo da moda, provando a maestria de seu corte, a sofisticação de suas imagens e a alta qualidade de seu trabalho. Um dramático passeio pela tundra foi o que propôs o criador inglês dentro do grupo Gucci, no desfile na mais distante locação da temporada, a Cidade da Música, na periferia de Paris. Parecia o lugar perfeito para seu magistral espetáculo visual, em que couture e prêt-à-porter se juntam em contemporâneos momentos de moda. Étnico, russo, gráfico, punk e moto, tudo cabe na exuberância estilística de McQueen, que colocou duas modelos num túnel de vento, uma de body optical e capa tipo pára-quedas, outra de quimono, no meio de uma tempestade. Um espetáculo.

PRECISA SABER TAMBÉM QUE...
A estréia do belga Olivier Theyskens na Rochas é feminina e leve, nada parecida com seu estilão pesado, e tem suave perfume espanhol. Vai ser hot ticket na próxima estação. Que Gaultier fez desfile infantil e otimista, brincando de boneca e de anos 80, com o brilhantismo de seu masculino/feminino. Que a Cacharel veio fofa, com estampas otimistas de Celia Birtwell, de olho em Annie Hall. Que Ann Demeulemeester agradou com coleção estelar em preto, ao som de "When Doves Cry" por Patti Smith. Que a Chloé vem funky e sexy, com jeans beeem apertados e convite com a foto de Valeria Valenssa tipo globeleza. Que Galliano reinou no retrô pós-guerra bem humorado, com suas pin-ups absurdas e incríveis looks de corselet de época. Stella McCartney veste a garota moderna do momento, esportiva e couture, chic no ponto certo. Que Chanel brincou na neve, em coleção que mais uma vez rejuvenesce a marca. Que Chalayan é mesmo o poeta da moda e dos tempos de guerra. Que a Vuitton faz 60 luxo e riqueza. Celine teve Sharon Stone na platéia, e Michael Kors vai deixar a marca.


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