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Mostra em NY confirma atualidade de obra de Basquiat
ROBERTA SMITH
DO "NEW YORK TIMES"
A arte cheia de rebarbas, feia-elegante, em fluxo de consciência,
que Jean-Michel Basquiat criou
parecia excelente na retrospectiva
do artista organizada pelo Whitney Museum em 92. E parece ainda mais forte agora, no Brooklyn
Museum. A exposição não é necessariamente melhor, talvez seja
até um pouco mais fraca em termos de seleção e posicionamento.
Mas a realização artística de
Basquiat, produzida durante uma
carreira truncada, expõe os pré-requisitos clássicos, talvez quase
clássicos demais, para a grandeza:
um estilo visual indelével, mas
ainda assim infinitamente flexível
que aproveita e estende o passado, reflete sobre sua era e se mantém inovador e relevante.
A realização do artista ganha
pertinência especial em um momento em que o desenho domina
as mídias artísticas e variações do
grafite proliferam; quando o figurativismo e o expressionismo são
parte do mix de estilos que os artistas jovens tomam por axioma,
da mesma forma que o fazem
com relação à atitude política; e
quando a linguagem e o som (graças apenas em parte ao vídeo) são
tão ubíquos nas artes plásticas
quanto a tinta sobre a tela.
Basquiat, que disparou para o
coração da superaquecida cena
artística dos anos 80 com suas primeiras mostras, em 81 e 82, nasceu em 1960, no Brooklyn. Seu pai
era haitiano, e a mãe, porto-riquenha. Pintava e desenhava desde a
infância e era fascinado pelo manual Gray de anatomia, que sua
mãe lhe deu de presente quando
ele tinha sete anos, e estava machucado depois de um acidente
de automóvel. Imagens rotuladas
do corpo humano, quase sempre
negro e masculino, se tornaram
marca registrada de sua arte.
Depois de sair de casa, aos 17
anos, suas primeiras incursões artísticas, em parceria com um colega de escola, Al Diaz, consistiam
em pichar edifícios no SoHo e no
Lower East Side com poemas
enigmáticos e aforismos, assinados "Samo" (compressão de "same old, same old"). Logo começou a pintar sobre superfícies encontradas nas ruas -portas, janelas, caixas velhas...
Basquiat rapidamente começou
a exibir um domínio precoce de
cor, linha, linguagem e composição, estimulado por uma urgência
intrínseca. Ele produzia, na verdade, elaboradas e loquazes "cartas ao mundo", nas palavras de
Emily Dickinson. Em seus trabalhos, imagens e palavras, abstração e representação, precisão e incoerência eram improvisados
com espantosa velocidade na forma de campos tumultuados e antagônicos de idéias.
Como muitos dos artistas de
sua geração, entre os quais Julian
Schnabel, David Salle e Philip
Taafe, ele inventou uma forma
própria de colagem. Recobria telas com seus desenhos e, posteriormente, fotocópias de desenhos, antes de acrescentar camadas adicionais de tinta e mais desenhos. Ao contrário da maioria
de seus contemporâneos, Basquiat tinha um tema candente: a
negritude, suas glórias, histórias e
dor, além do fardo do colonialismo, escravidão e discriminação.
Basquiat trabalhou como um
demônio por sete anos, e depois
morreu, em 1988, vítima das drogas, um vício exacerbado pelo sucesso e pela morte de seu mentor,
Andy Warhol. Tornou-se símbolo do acelerado ciclo de sucesso,
excesso e destruição que era a
marca da década de 80.
A exposição foi organizada por
quatro curadores: Marc Mayer,
ex-diretor assistente do museu e
agora diretor do Musée d'Art
Contemporain de Montréal;
Franklin Sirmans, crítico e curador independente; Fred Hoffman,
curador do Museu de Arte Contemporânea de Los Angeles; e Kellie Jones, professora de história
da arte na Universidade Yale.
Não se sabe por que tantos curadores foram necessários, mas todos contribuíram de maneira capaz para o catálogo da mostra.
Mayer considera Basquiat o último pintor modernista, um artista
que reiterou seus estilos, fontes e
inovações em uma erupção final
de glória. Sirmans argumenta que
Basquiat era um profeta visual do
hip hop, o que amplifica a ressonância das palavras gaguejadas,
das frases aglomeradas do pintor,
que lembram um DJ repetindo o
mesmo groove inúmeras vezes.
Como os artistas de hip hop,
Basquiat lidou com as desigualdades sociais dos EUA de maneira
que eram veementemente engajadas e acessíveis, mas rigidamente
formais. As desigualdades persistem, mas para nossa sorte o mesmo se aplica ao exemplo dessa
força, mais intensa do que nunca.
Tradução de Paulo Migliacci
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