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FESTIVAL DE DOCUMENTÁRIOS
Vídeo desfaz injustiça contra Zé do Caixão
MARCELO RUBENS PAIVA
especial para a Folha
"O meu mundo é
estranho, pois é
composto de forças
estranhas, mas não
mais estranhas do
que você!", diz Zé
do Caixão, em close, apontando
para a câmera, na abertura do documentário "Maldito - O Estranho Mundo de José Mojica Marins", que será exibido hoje, às
21h, no Itaú Cultural, em São Paulo, na competição brasileira do
festival É Tudo Verdade.
Corta para 1980. Em Belo Horizonte, o notório personagem criado pelo cineasta José Mojica Marins dá uma aula de teatro.
Seus alunos, de olhos fechados,
são levados a crer que estão em
um avião, que cai. Pouco a pouco,
o laboratório vira uma catarse.
Alunos choram, alguns desmaiam, e, como num culto, Zé do
Caixão grita: "Entramos no inferno da Terra!". E repete: "Inferno!
Inferno!".
Corta para 1999. Mojica, em sua
casa, em São Paulo, aparece de
short, alimenta pássaros, lê as
manchetes do "Notícias Populares". A TV ligada exibe um jogo
de futebol. O cineasta, que aterrorizou o público em mais de 35
longas e 80 especiais para a TV, leva uma vida moderada, pacata e
mordazmente comum.
"Maldito", vídeo dirigido e produzido pelos jornalistas André
Barcinski (editor do caderno Folhateen) e Ivan Finotti, mergulha
na história de um dos personagens mais ricos e complexos que
existem na cultura popular brasileira e desfaz uma injustiça.
Apesar de ser reconhecido internacionalmente e considerado
um gênio, José Mojica Marins,
que, muito antes de Brian de Palma, já contava histórias de personagens enterrados vivos ou exibia
mãos que saíam de covas, é tratado com desdém em sua terra.
Para sobreviver, hoje em dia, ele
anima bingos. Não filma há mais
de 15 anos. Entrou para o mercado pornô, para conseguir filmar, e
chegou ao gênero bestialidade
(sexo com animais).
Sem paternalismo
"Por aqui, seus entrevistadores
estão mais interessados em saber
como ele consegue lavar as mãos,
com unhas tão compridas, do que
como pode um cineasta, que produzia graças às fartas bilheterias
de seus filmes, sem nunca utilizar
dinheiro público, ficar tanto tempo sem filmar", afirma Barcinski.
"O controle estatal, que gerou
os orçamentos astronômicos, e a
censura acabaram com o Zé do
Caixão no cinema. Ele não roubou dinheiro de orçamentos de
filmes. Nenhum filme seu deu
prejuízo. Alguns estão entre as 20
maiores bilheterias do país."
O calvário de Zé do Caixão começou durante o regime militar,
que censurou, em 1971, "O Despertar da Besta", que muitos consideram sua obra-prima.
Como era um cineasta que produzia com o dinheiro da bilheteria anterior, Mojica se viu forçado
a procurar produtores, que não se
dispuseram a colocar dinheiro
em produções que certamente teriam problemas com a censura.
Em "O Despertar da Besta", alguns personagens ficam presos
em máquinas de tortura, uma paródia inconsciente do clima de
terror da época. É no documentário que Mojica vê, pela primeira
vez, o ato de censura, que indicava os cortes a serem feitos, que inviabilizaram o filme. Enquanto
Mojica lê, vemos na tela a cena
censurada.
"Ele nunca tinha visto o ato da
censura antes. Foi um choque, devido às palavras que usaram para
descrever a sua obra", diz Barcinski.
O documentário, um filme autofinanciado, como os filmes de
Mojica, não foi realizado com dinheiro público. "Não quisemos
fazer uma coisa rebuscada, com
luz, porque tirava a naturalidade", conta o jornalista.
Os diretores demoraram dois
anos para realizá-lo. Gastaram
US$ 13 mil, incluindo a compra
do equipamento. A idéia do documentário nasceu depois que Barcinski e Finotti escreveram o livro
"Maldito - A Vida e o Cinema de
José Mojica Marins" (editora 34).
"A pesquisa do livro rendeumuito material visual. Mojica morou 18 anos em fundos de cinemas. Largou a escola aos 12 anos.
Mal sabe escrever. É quase um cineasta intuitivo. A técnica, às vezes, tira a espontaneidade. Ele não
tem informação técnica, nem
uma organização estética. Há estudiosos, no exterior, que dizem
que ele foi influenciado pelo cinema japonês", completa Barcinski.
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