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ANÁLISE
"Os Normais" une documentário e ficção
ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA
"O realismo não convence", afirmou Jorge Furtado em sua intervenção no debate
sobre "Imagens da Subjetividade"
na Conferência Internacional do
Documentário na última sexta.
A frase sintetiza o espírito de algumas das mais bem-sucedidas
experiências televisivas recentes,
produzidas pelo núcleo Guel Arraes, na Globo, espaço que vem
propiciando sinergias interessantes entre profissionais com formações diversas na publicidade e
no cinema. É o caso de Fernando
Meirelles e César Charlone, de
"Cidade dos Homens", José Alvarenga e Alexandre Machado, diretor e autor de "Os Normais"
-que iniciou nova temporada
também na última sexta-feira-,
Furtado e o próprio Guel.
Cada um deles possui marca
própria. Mas pontes podem ser
sugestivas. "Essa Não É a Sua Vida", de 1991, apresentado na mostra da conferência, é o único de
seus trabalhos que Furtado classifica como documentário.
Um documentário sobre a desimportância do documentário,
relata a história de Noely, personagem gaúcha escolhida "ao acaso", como exemplo de pessoa que
nunca havia sido filmada.
Curiosamente, o painel de milhares de fotos 3 x 4, em meio às
quais a de Noely é apenas uma,
que aparece no final do curta, inspira a vinheta de abertura de "Os
Normais", raro exemplar de sitcom bem-sucedida.
O deslocamento do painel de fotos em formato "RG" do documentário para a vinheta de um seriado, que se afirmou justamente
por um partido "fake", barato, sugere as evoluções em curso em
uma vertente promissora da dramaturgia.
Em "Os Normais" a profusão de
fotos de identidade abre e marca
os intervalos de um programa
centrado em poucas personagens,
mas caras conhecidas, muito estúdio, raras locações, cenário fantasia, suporte digital, efeitos de
edição, escatologia e humor.
O visual diferenciado, o ritmo
acelerado, convenções como o
"flashback" -que sintomaticamente não apareceu no primeiro
episódio da nova temporada, que
parece mais sóbrio na linguagem
visual, mais carregado na escatologia e perigosamente menos engraçado- são elementos que não
disfarçam a centralidade que o
texto ocupa nessas produções.
O texto, tal como sugere as imagens documentais da vinheta e o
próprio nome da série, representa
o cotidiano "típico" de um casal
de classe média do Rio de Janeiro.
A opção não realista aparece como traço distintivo de uma vertente promissora da dramaturgia
brasileira contemporânea. Uma
que provoca distinções "clássicas" entre objetividade e subjetividade, documentário e ficção.
Esther Hamburger é antropóloga e
professora da ECA-USP
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