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São Paulo, segunda-feira, 14 de abril de 2003

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ANÁLISE

"Os Normais" une documentário e ficção

ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA

"O realismo não convence", afirmou Jorge Furtado em sua intervenção no debate sobre "Imagens da Subjetividade" na Conferência Internacional do Documentário na última sexta.
A frase sintetiza o espírito de algumas das mais bem-sucedidas experiências televisivas recentes, produzidas pelo núcleo Guel Arraes, na Globo, espaço que vem propiciando sinergias interessantes entre profissionais com formações diversas na publicidade e no cinema. É o caso de Fernando Meirelles e César Charlone, de "Cidade dos Homens", José Alvarenga e Alexandre Machado, diretor e autor de "Os Normais" -que iniciou nova temporada também na última sexta-feira-, Furtado e o próprio Guel.
Cada um deles possui marca própria. Mas pontes podem ser sugestivas. "Essa Não É a Sua Vida", de 1991, apresentado na mostra da conferência, é o único de seus trabalhos que Furtado classifica como documentário.
Um documentário sobre a desimportância do documentário, relata a história de Noely, personagem gaúcha escolhida "ao acaso", como exemplo de pessoa que nunca havia sido filmada.
Curiosamente, o painel de milhares de fotos 3 x 4, em meio às quais a de Noely é apenas uma, que aparece no final do curta, inspira a vinheta de abertura de "Os Normais", raro exemplar de sitcom bem-sucedida.
O deslocamento do painel de fotos em formato "RG" do documentário para a vinheta de um seriado, que se afirmou justamente por um partido "fake", barato, sugere as evoluções em curso em uma vertente promissora da dramaturgia.
Em "Os Normais" a profusão de fotos de identidade abre e marca os intervalos de um programa centrado em poucas personagens, mas caras conhecidas, muito estúdio, raras locações, cenário fantasia, suporte digital, efeitos de edição, escatologia e humor.
O visual diferenciado, o ritmo acelerado, convenções como o "flashback" -que sintomaticamente não apareceu no primeiro episódio da nova temporada, que parece mais sóbrio na linguagem visual, mais carregado na escatologia e perigosamente menos engraçado- são elementos que não disfarçam a centralidade que o texto ocupa nessas produções.
O texto, tal como sugere as imagens documentais da vinheta e o próprio nome da série, representa o cotidiano "típico" de um casal de classe média do Rio de Janeiro.
A opção não realista aparece como traço distintivo de uma vertente promissora da dramaturgia brasileira contemporânea. Uma que provoca distinções "clássicas" entre objetividade e subjetividade, documentário e ficção.


Esther Hamburger é antropóloga e professora da ECA-USP

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