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MÚSICA ERUDITA
OSM, regida por Ira Levin, fica devendo sua verdadeira interpretação do "Réquiem", de Hector Berlioz
Infernos meio mornos no Municipal
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
Como era ateu, Berlioz (1803-69) não tinha medo de nada e
escreveu um dos monumentos litúrgicos mais espantosos da história da música. Composto em
1835, por encomenda oficial, o
"Réquiem" dá voz aos vivos e
mortos, faz soar as trombetas do
Apocalipse e as flautas do Paraíso
e incendeia cada pobre alma na
platéia. Não talvez a do Municipal, sexta passada, onde a Orquestra Sinfônica Municipal e os corais Lírico e Paulistano recriaram
infernos afinal meio mornos, sob
a regência de Ira Levin.
As duas melhores frases sob
Berlioz não são verdade. Uma é de
Mendelssohn, para quem "Berlioz fez enormes esforços para
enlouquecer, sem sucesso". A outra, de Debussy, que via na arte do
antecessor "menos música do que
a ilusão da música, produzida
com instrumentos emprestados
da literatura e da pintura". Duzentos anos depois da morte de
Berlioz, essas opiniões não dão
conta do que há de mais original
na música de um dos mais arrojados compositores românticos,
mas têm sua dose de pertinência.
É a música no limite da loucura; a
música no limite de se transformar em outra arte.
No caso do "Réquiem" (ou
"Grande Messe des Morts"), isso
implica monumentais forças sonoras, o que não se traduz necessariamente em muito barulho o
tempo todo. Um dos pontos mais
extraordinários dessa hora e meia
de música é a sequência delicada
de acordes das flautas (bem agudas) e trombones (bem graves) no
"Hostias", pontuando o coral homofônico das vozes. São sete
acordes, mais a coda -os trombones em profundezas descarnadas e as flautas presas numa nota-, até o último si bemol menor.
Oito acordes, então, nenhum dos
quais infelizmente saiu afinado.
Que Berlioz faz muito barulho a
maior parte do tempo, faz mesmo; um verdadeiro armagedão
no "Tuba Mirum", com os metais
divididos na platéia, mais os quatro tímpanos no palco. Seja na orquestra, seja nos coros -uma população e tanto, transbordando
para a coxia -, eram fortíssimos
como esse que carregavam o sentido do "Réquiem" de Levin. E o
resultado, muitas vezes, foi de
grande impacto.
Paradoxalmente, os músicos
não soavam muito engajados.
Nem pareciam estar inteiramente
lá. A regência, de sua parte, parecia focada em manter as tropas
unidas, mais do que em baixar
aos infernos ou descortinar os
campos do céu.
No penúltimo movimento, o tenor faz lindos solos, antecedendo
as espetaculares fugas do "Hosanna". Marcello Vanucci tem uma
voz poderosa, de vocação operística. Compreensivelmente nervoso, sofreu problemas de afinação
(duas vezes) naquela nota difícil,
o si bemol de "Sa-baoth".
Enfim: não foi um "Réquiem"
de sutilezas, nem de satanismos.
Não dá para definir bem que Berlioz foi esse: nem antigo, nem moderno, nem fervoroso, nem
"cool". Foi só um primeiro Berlioz, e a OSM fica devendo, desde
já, sua verdadeira Grande Missa
dos Mortos.
Réquiem
Onde: Teatro Municipal (pça. Ramos de
Azevedo, s/nš, tel. 0/xx/11/6846-6000)
Quando: amanhã, às 21h
Quanto: de R$ 15 a R$ 50
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